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“O jovem rebelde vive num mundo à parte. A sociedade de classe média, de onde normalmente ele vem, tem diversos nomes para designá-lo : rascal (‘malandro’), hoodlum (‘arruaceiro’), ruffian (‘rufião’) - , em inglês. O francês usa o termo mais forte voyou (reunindo agressividade, estupidez, grosseria e vandalismo em seu sentido), para o qual não existe equivalente exato na língua inglesa. Combina a idéia de comportamento problemático com a tendência a cometer atos ilícitos.
Entretanto, o jovem rebelde não habita sozinho esse mundo. Ele representa uma longa linhagem, e, hoje, possui um irmão que nunca se encontra muito afastado dele. Esse irmão, em diferentes épocas, chama-se palhaço, saltimbanco, bufão. Já foi chamado de jogral. Já foi chamado inclusive pelo nome mais refinado de arlequim. E, de tempos em tempos, o destino lhe empresta o pomposo nome de poeta.
Podemos distinguir dois tipos de rebeldes: o humilde, nascido no meio do povo, e que passa sua vida a alguma distância do conforto burguês; e o rico, nascido no seio da burguesia, e que passa sua vida a alguma distância dos antros de má reputação do verdadeiro voyou. Os dois são os tipos taciturnos da sociedade. O palhaço promove rituais sem palavras, assim como a poesia sempre exalta alguma voz deliberadamente silenciada.
O rebelde e seu irmão, o palhaço, nos ensinam que nenhuma fantasia é verdadeira, e que a alegria, em seu estado puro, não pertence ao homem. Uma sina inexplicável parece se impor sobre cada pessoa ao nascer, e somos ou privilegiados ou condenados. O rebelde permanece livre em suas fugas. O voyou é o homem que foge de tudo que normalmente prende os outros homens: estudo, família, dever cívico, religião. O voyou é o aventureiro das distâncias, das estradas intransitáveis, da imensa liberdade das cidades e dos campos.
No raiar da poesia francesa, muito antes do tempo de Rimbaud e do interesse de Morrison pelo poeta francês, assistiu-se ao advento de um primeiro modelo desse voyou bufão, que eu gosto de considerar como fundador de uma genealogia de homens que vivem destacados de sua vida real, e cuja única força era sua poesia. Refiro-me a uma pequena obra do final do século XII, escrita no idioma da Ile-de-France (esse idioma era o romanço ou românico, um estágio intermediário entre o latim vulgar e o futuro francês, que era falado na atual região de Paris). Seu autor é desconhecido, mas a piedade que ele põe em sua história e a compaixão que dedica a seu herói provam que compreendia o ofício do palhaço e o ofício do poeta, que talves sejam idênticos.
Entretanto, o jovem rebelde não habita sozinho esse mundo. Ele representa uma longa linhagem, e, hoje, possui um irmão que nunca se encontra muito afastado dele. Esse irmão, em diferentes épocas, chama-se palhaço, saltimbanco, bufão. Já foi chamado de jogral. Já foi chamado inclusive pelo nome mais refinado de arlequim. E, de tempos em tempos, o destino lhe empresta o pomposo nome de poeta.
Podemos distinguir dois tipos de rebeldes: o humilde, nascido no meio do povo, e que passa sua vida a alguma distância do conforto burguês; e o rico, nascido no seio da burguesia, e que passa sua vida a alguma distância dos antros de má reputação do verdadeiro voyou. Os dois são os tipos taciturnos da sociedade. O palhaço promove rituais sem palavras, assim como a poesia sempre exalta alguma voz deliberadamente silenciada.
O rebelde e seu irmão, o palhaço, nos ensinam que nenhuma fantasia é verdadeira, e que a alegria, em seu estado puro, não pertence ao homem. Uma sina inexplicável parece se impor sobre cada pessoa ao nascer, e somos ou privilegiados ou condenados. O rebelde permanece livre em suas fugas. O voyou é o homem que foge de tudo que normalmente prende os outros homens: estudo, família, dever cívico, religião. O voyou é o aventureiro das distâncias, das estradas intransitáveis, da imensa liberdade das cidades e dos campos.
No raiar da poesia francesa, muito antes do tempo de Rimbaud e do interesse de Morrison pelo poeta francês, assistiu-se ao advento de um primeiro modelo desse voyou bufão, que eu gosto de considerar como fundador de uma genealogia de homens que vivem destacados de sua vida real, e cuja única força era sua poesia. Refiro-me a uma pequena obra do final do século XII, escrita no idioma da Ile-de-France (esse idioma era o romanço ou românico, um estágio intermediário entre o latim vulgar e o futuro francês, que era falado na atual região de Paris). Seu autor é desconhecido, mas a piedade que ele põe em sua história e a compaixão que dedica a seu herói provam que compreendia o ofício do palhaço e o ofício do poeta, que talves sejam idênticos.
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O título do poema, “Le Jongleur de Notre Dame”, aponta a aparente contradição contida nessa dupla vocação: o homem que diverte o público nas ruas e praças, e sua outra aventura, a devoção religiosa. Ao abandonar o mundo das ruas e praças pelo mundo silencioso e recluso do monastério, esse jogral descobre que a vocação de saltimbanco é sua única via de santificação e sua única realidade. O recente amor por Deus, pelo qual ele deseja viver, é indissociável de suas bufonarias. Ele deve servir Nossa Senhora por meio do único ofício que conhece. A pureza de suas intenções – sua dança será uma forma de prece – converte a diversão popular em celebração religiosa.
À noite, na capela de Nossa Senhora, onde acredita estar sozinho, ele dança diante da estátua da Virgem e oferece a ela seus mais extraordinários e extenuantes malabarismo e acrobacias. Todos os movimentos ágeis e cômicos do jogral, que antes encantavam ou entediavam as platéias nos feriados, agora se convertem num ato de adoração.
O jogral do século XII prefigurou o poeta do século XV François Villon. Ambos conheceram uma existência ao modo do voyou. O jogral vivia para uma platéia volúvel e galhofeira que ele só era capaz de prender com os elementos grotescos de suas momices. A platéia de Villon compunha-se de amigos voyou e de criminosos que só prestavam atenção nos trechos vulgares ou obscenos de suas ballades. Quando o jogral morreu, sua arte desapareceu com ele. A arte de Villon começou a viver depois de sua morte.
Villon era mais voyou do que o jogral de Notre Dame. Sua alma parece não conhecer limites quando consideramos os papéis que ele assumiu: mártir, amante, pecador, criminoso de miserável condição social, condenado enforcado, voyou.
À noite, na capela de Nossa Senhora, onde acredita estar sozinho, ele dança diante da estátua da Virgem e oferece a ela seus mais extraordinários e extenuantes malabarismo e acrobacias. Todos os movimentos ágeis e cômicos do jogral, que antes encantavam ou entediavam as platéias nos feriados, agora se convertem num ato de adoração.
O jogral do século XII prefigurou o poeta do século XV François Villon. Ambos conheceram uma existência ao modo do voyou. O jogral vivia para uma platéia volúvel e galhofeira que ele só era capaz de prender com os elementos grotescos de suas momices. A platéia de Villon compunha-se de amigos voyou e de criminosos que só prestavam atenção nos trechos vulgares ou obscenos de suas ballades. Quando o jogral morreu, sua arte desapareceu com ele. A arte de Villon começou a viver depois de sua morte.
Villon era mais voyou do que o jogral de Notre Dame. Sua alma parece não conhecer limites quando consideramos os papéis que ele assumiu: mártir, amante, pecador, criminoso de miserável condição social, condenado enforcado, voyou.
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Quase três séculos separam o jogral do poeta Villon; outros três séculos separam Villon de Rimbaud. Em Rimbaud, o maior voyou da poesia moderna, surpreendemos o mesmo desejo (ou talvez o mesmo sofrimento) de assumir diferentes papéis e de se esconder atrás de diferentes máscaras.
A vida de Rimbaud foi uma série ininterrupta de partidas. Nenhum poeta burilou mais do que ele o tema da fuga e da evasão. Ele conhecia a vida de vagabundo e andarilho assim como Villon, e, também como Villon, conheceu a fome e a pobreza. Ele esmolou à beira das estradas, na porta das casas e das casernas. Foi o homem predestinado a deixar Charleville e as margens do Meuse, como Dante precisou deixar Florença e as margens do Arno.
A vida de Rimbaud foi uma série ininterrupta de partidas. Nenhum poeta burilou mais do que ele o tema da fuga e da evasão. Ele conhecia a vida de vagabundo e andarilho assim como Villon, e, também como Villon, conheceu a fome e a pobreza. Ele esmolou à beira das estradas, na porta das casas e das casernas. Foi o homem predestinado a deixar Charleville e as margens do Meuse, como Dante precisou deixar Florença e as margens do Arno.
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E, mesmo assim, a casa passo das travessias desses poetas, a mesma inquietação se apodera deles. Rimbaud em Paris, na casa de Verlaine, e no meio de alguns dos mais célebres poetas daquele século, lembrava o jogral da Idade Média entre os monges. Lembramos instintivamente de Jesus entre os doutores do Templo ou do albatroz de Baudelaire, entre os marinheiros que se põem a torturá-lo e a escarnecê-lo.
Hoje, Rimbaud é uma das maiores figuras míticas da literatura. A história de sua vida possui todos os elementos necessários para a criação de um mito. Antes de completar vinte anos, quando abandonou toda a atividade literária, já havia atingido a maturidade estilística e a total proficiência em francês e em latim. Depois de perambular pela Europa, trocou-a pela Abissínia, onde se envolveu em diversos comércios. Explorou territórios não-mapeados para a Société de Géographie, da França. Acometido de um câncer ósseo, sua perna foi amputada. Sua vida, precoce e meteórica, é freqüentemente comparada com a de Mozart, que morreu aos 35 anos.
Ele se tornou o poeta da juventude, assim como Jim Morrison se tornou o poeta-cantor dos jovens. A sede de liberdade, de aventura e de auto-expressão desses dois homens atrai os jovens e quem quer que se encontre sequioso de liberdade e de novos começos.
A geração de jovens que aderiu a contracultura nos anos 60 escolheu Jim como sua grande estrela. Eles acompanharam os passos do The Doors. Conheceram sua história desde 1966, quando Jim cantou “Moonlight Drive” para Ray Manzareck na praia de Venice, até o lançamento do primeiro álbum, The Doors, em 1967. As críticas desse álbum derramaram epítetos sobre o superastro: “xamã sexual”, “Dioniso praieiro”, “Adônis hippie”. A contracultura foi uma forma de radicalismo que rejeitava os valores da classe média americana, abraçando um novo hedonismo (doutrina que considera o prazer individual e imediato como o sentido maior) que incluía sexo, drogas e rock and roll.
Hoje, os jovens podem ver a contracultura sob uma perspectiva histórica. Eles se sentem menos reprimidos pelo aspecto imoral relacionado ao sexo e às drogas, e se lembram das declarações de fundo crítico feitas por Jim Morrison a respeito do artista: “Vejo o papel do artista como o de um xamã ou bode expiatório. As pessoas projetam suas fantasias nele e estas se materializam” Hoje eles percebem que Jim foi ao mesmo tempo culto e primal, de uma vitalidade primitiva que mesclou o rock a uma rica bagagem literária.
Hoje, Rimbaud é uma das maiores figuras míticas da literatura. A história de sua vida possui todos os elementos necessários para a criação de um mito. Antes de completar vinte anos, quando abandonou toda a atividade literária, já havia atingido a maturidade estilística e a total proficiência em francês e em latim. Depois de perambular pela Europa, trocou-a pela Abissínia, onde se envolveu em diversos comércios. Explorou territórios não-mapeados para a Société de Géographie, da França. Acometido de um câncer ósseo, sua perna foi amputada. Sua vida, precoce e meteórica, é freqüentemente comparada com a de Mozart, que morreu aos 35 anos.
Ele se tornou o poeta da juventude, assim como Jim Morrison se tornou o poeta-cantor dos jovens. A sede de liberdade, de aventura e de auto-expressão desses dois homens atrai os jovens e quem quer que se encontre sequioso de liberdade e de novos começos.
A geração de jovens que aderiu a contracultura nos anos 60 escolheu Jim como sua grande estrela. Eles acompanharam os passos do The Doors. Conheceram sua história desde 1966, quando Jim cantou “Moonlight Drive” para Ray Manzareck na praia de Venice, até o lançamento do primeiro álbum, The Doors, em 1967. As críticas desse álbum derramaram epítetos sobre o superastro: “xamã sexual”, “Dioniso praieiro”, “Adônis hippie”. A contracultura foi uma forma de radicalismo que rejeitava os valores da classe média americana, abraçando um novo hedonismo (doutrina que considera o prazer individual e imediato como o sentido maior) que incluía sexo, drogas e rock and roll.
Hoje, os jovens podem ver a contracultura sob uma perspectiva histórica. Eles se sentem menos reprimidos pelo aspecto imoral relacionado ao sexo e às drogas, e se lembram das declarações de fundo crítico feitas por Jim Morrison a respeito do artista: “Vejo o papel do artista como o de um xamã ou bode expiatório. As pessoas projetam suas fantasias nele e estas se materializam” Hoje eles percebem que Jim foi ao mesmo tempo culto e primal, de uma vitalidade primitiva que mesclou o rock a uma rica bagagem literária.
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Esses três poetas voyou – Villon, Rimbaud e Jim Morrison – deram voz à postura de rejeição e desprezo da juventude, tipicamente dramática e emotiva. Cada um, com sua terminologia própria e conforme a sua idade, se deu conta do grande mistério que é a alma humana, e procurou em vão encontrar uma ciência adequada para explicá-la. Será isso o tradicional pessimismo dos jovens? Eu prefiro considerá-lo a convicção de que nada no mundo é por inteiro, nem possui beleza absoluta. Está tudo contaminado, em confusão, conspurcado e fragmentado. Eles descobriram que uma verdade pura e simples é algo tão implausível que a maioria das pessoas intintivamente acrescenta um pouco de ilusão.”
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Texto retirado do livro"Rimbaud e Jim Morrison - os poetas rebeldes", de Wallace Fowlie. Ed. Campus, 2005.
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Jim Morrison - The Lost Paris Tapes (1969/1971)
1- I. JIM MORRISON POETRY SESSION - 36:48
(Los Angeles, March, 1969)
FAR ARDEN: Radio Dark Night (Take 1)/ Radio Dark Night (Take Two)/ A Vast Radiant Beach (Awake)/ Moonshine Night/ Frozen Moment By A Lake/ Bird Of Prey/ Dawn's HWY/ Under Waterfall/ The Hitchhiker/ Winter Photography/ Whiskey, Mystics And Men/ Orange County Suite/ All Hail The American Night/ Far Arden Poem/ Texas Radio & The Big Beat #1 (Letter From Shirley)/ TALES FROM THE AMERICAN NIGHT: The American Night/ The Holy Sha/ Hitler/ Latino Chrome/ To Come Of Age - Black Polished Chrome/ Search On, Man/ Indian, Indian (Sirens And Horns Honking)/ Woman In The Window/ A Vision Of America: From The Book Of Days - A Vision Of America - Motel, Money, Murder, Madness/ Earth, Air, Fire, Water/ Discovery (Angels & Sailors)/ Now Listen To This (Texas Radio & The Big Beat #2)/ Stoned Immaculate/ White Blind Light
(Thank You, O Lord)
2. Orange County Suite (from I) - 5:26
3. Whiskey, Mystics and Men (from I) - 1:48
4- II. LAST RECORDING SESSION: 14:32
(Paris, junho 1971)
Guitar Tuning & Chats/ Orange County Suite - 14:32
(Los Angeles, March, 1969)
FAR ARDEN: Radio Dark Night (Take 1)/ Radio Dark Night (Take Two)/ A Vast Radiant Beach (Awake)/ Moonshine Night/ Frozen Moment By A Lake/ Bird Of Prey/ Dawn's HWY/ Under Waterfall/ The Hitchhiker/ Winter Photography/ Whiskey, Mystics And Men/ Orange County Suite/ All Hail The American Night/ Far Arden Poem/ Texas Radio & The Big Beat #1 (Letter From Shirley)/ TALES FROM THE AMERICAN NIGHT: The American Night/ The Holy Sha/ Hitler/ Latino Chrome/ To Come Of Age - Black Polished Chrome/ Search On, Man/ Indian, Indian (Sirens And Horns Honking)/ Woman In The Window/ A Vision Of America: From The Book Of Days - A Vision Of America - Motel, Money, Murder, Madness/ Earth, Air, Fire, Water/ Discovery (Angels & Sailors)/ Now Listen To This (Texas Radio & The Big Beat #2)/ Stoned Immaculate/ White Blind Light
(Thank You, O Lord)
2. Orange County Suite (from I) - 5:26
3. Whiskey, Mystics and Men (from I) - 1:48
4- II. LAST RECORDING SESSION: 14:32
(Paris, junho 1971)
Guitar Tuning & Chats/ Orange County Suite - 14:32
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3 comentários:
Sempre post interessantíssimos, e muito bem dsenvolvidos... coisa rara mesmo essa tua página, dona Neide... que nunca te falte disposição p'ra postar assim!
...mas vim te contar um causo, e te largar um presente com ele também...:
http://www.divshare.com/download/5404048-3ab
...aí neste link tem um arquivinho de texto com um post em html, que eu fiz lá p'ro F.A.R.R.A. ... na verdade, o 1º filme que eu me animei a postar por lá. É uma animação argentina lançada este ano, adaptação mais recente do poema Martín Fierro, de José Hernandez... traz desenhos do mestre qüadrinhista Roberto Fontanarrosa, infelizmente falecido antes do lançamento...
...acontece que dom Eudes Honorato achou por bem deletar o post, pois ainda não existem legendas em português p'ra ele(isso después de me fazer trocar todas as imagens, hehehehe - há destinos piores)...
mas só me animei a subir os arquivos porque gostaria imensamente de compartilhar isso com o maior número de gente possível...
...se quiseres postar isso aqui no teu Portfólio X, seria uma grande honra... mas bueno, estou te dando o post, faz com ele o que bem entenderes...
...se apenas tu baixares o filme, e curtires, já terá valido o esforço...
...gracias, señorita! Um grande abraço p'ra ti!
Mas homem, quando for assim me avisa no post mais recente...foi pura sorte eu ter visto teu comentário agora, pois estou desenvolvendo um post com um texto do Rimbaud e voltei nesse antigo pra dar uma conferida no que já havia postado sobre ele.
Muchas gracias por sua consideração em relação ao filme, forte abraço!
Your blog keeps getting better and better! Your older articles are not as good as newer ones you have a lot more creativity and originality now keep it up!
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