"O inimigo mais perigoso que você poderá encontrar será sempre você mesmo." ( Friedrich Nietzsche )

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Mestres dos Quadrinhos Eróticos - Serpieri IV

Nesta parte, o enfoque será maior em relação aos primórdios dos quadrinhos e suas influências através dos tempos...
Post 3 em 1, além de Serpieri, trabalhos dos magníficos artistas Druillet e Bilal
.
A saga de Druuna se transformou num bom exemplo dos quadrinhos europeus essencialmente autorais, uma tradição no continente bem mais antiga do que se imagina – remonta à década de 1920. Dentro desse conceito, Serpieri brigou para manter o controle absoluto sobre a execução de sua obra, que só se tornou viável muito pelo jeito peculiar de produção que desenvolveu e se estabeleceu. Sem esquecer, claro, seu talento como artista.

Série inicida por Gustave Rosso (mais conhecido por Gustavino, 1881-1950),
em 1939 para adaptação de “Doutor Fausto” de Goethe,
saindo no semanário L’audace na época, e sendo continuada por Rino Albertarelli para a “Topolino”
(logo mais adiante, mais dois exemplos)


Um exemplo do semanário L’Audace, que era distribuído no final dos anos 30

Rino Albertarelli, autoritratto
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Il Mefistofele, di Pedrocchi e Rino Albertarelli
(raro é apelido pra este aqui...)

Particolare dalla tavola di apertura del Faust, di Pedrocchi e Rino Albertarelli
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Um exemplo disso aconteceu no contato com um de seus primeiros editores, Sergio Bonelli, cujo sistema editorial determinou que os autores trabalhassem sobretudo em estúdio. Bonelli queria que Serpieri refizesse uma série de western e, como a obediência aos roteiros era muito rigorosa, ele se sentiu acuado. Até que sua personagem lhe trouxe independência. “Quando comecei em quadrinhos, trabalhei com diferentes roteiristas, mas mudavam o texto o tempo todo e entrei em conflito com eles. A partir da década de 1980, comecei a trabalhar sozinho e, com Druuna, ninguém me fez mais imposições”.

Bonelli

Como criador de quadrinhos, o desenhista italiano se sente mais ligado a autores franceses como Druillet ou Bilal, que considera como parte de sua “verdadeira” família.

WW
Druillet

“Philippe Druillet nasceu em 1944, em Toulouse, na França, passando os primeiros anos de sua vida, até a morte do pai, nas Espanha. De volta à sua terra natal, terminou os estudos e lançou-se à carreira artística, como fotógrafo. Grande amante do fantástico e da ficção científica e profundamente inspirado na obra de esritores como Howard Philips Lovecraft (1890-1937); Leigh Brackett (1915-1978), a senhora Edmond Hamilton; e Catherine L. Moore, pseudônimo de Catherine Reggie, a senhora Henry Kuttner, realizou seu primeiro trabalho de história-em-quadrinhos, les Mystéres des Abimes, lançado em álbum de luxo pela Le Terrain Vague, em 1966. O personagem principal desta historieta, Lone Sloane, uma espécie de cowboy espacial que viaja por todo o cosmos, seria ainda o protagonista de seis episódios publicados em Pilote entre fevereiro de 1970 e abril de 1971 e, mais tarde, coletados no volume Les 6 Voyages de Lone Sloane, editado pela Dargaud Éditeur em sua coleção Histoires Fantastiques, que como o próprio nome já indica é uma série destinada a publicar histórias-em-quadrinhos tendo como tema o fantástico e o insólito”.
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Por Marco Aurélio Luchetti, em Rizoma
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Dessin Ancien (1965)



Dessin Ancien (1964)


La Voyant (década de 90)

Que beleza de tatoo...Pra encarar o traço de um Druillet, tem que ser muito bom...

WW
Bilal


Enki Bilal (batizado como Enes Bilalović) é um cineasta, desenhista e roteirista de histórias em quadrinhos francês.
Nasceu em Belgrado, Sérvia (antiga Iugoslávia), em 7 de outubro de 1951, e mudou-se para Paris com nove anos de idade. Aos 14, conhece Renné Goscinny, e encorajado resolve se tornar desenhista de quadrinhos. Começa a trabalhar na revista Pilote, e publica sua primeira história, Le Bol Maudit, em 1972.
A partir de 1975, começou a colaborar com o roteirista Pierre Christin numa série de histórias, de teor surreal e sombrio, às vezes enveredando pela ficção científica.
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Por Wikipedia
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Trilogie Nikopol, 1980
WW

Retomando...
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Na Itália, Serpieri chegou a se aproximar de alguns desenhistas de Roma, cidade onde mora, mas acredita que há em seu país uma séria divergência entre os que fazem quadrinhos ditos populares e os responsáveis pelos chamados comics de autor. “Certos autores possuem um tipo de paranóia e invejam meus privilégios de ‘autor’. Eu entrei pela porta da frente nos quadrinhos, sem jamais ter sido obrigado a me justificar, seja junto aos autores, aos leitores ou aos críticos. E meu personagem me pertence, eu faço o que eu quero, no meu ritmo.”
Onde afinal,o artista foi buscar elementos para compor seu universo e criar suas histórias? Uma das poucas influências que o próprio Serpieri admite em se traço veio do argentino José Luiz Salinas (1908-1985), autor do faroeste “Cisco Kid” e de “Dico, o Artilheiro” – a melhor série em quadrinhos sobre futebol já realizada.
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Para ambientar sua heroína fisicamente e mostrar a trama de ficção científica que queria desenvolver, o artista recorreu às mais diversas influências, entre quadrinhos cinemas e literatura. São muitas as citações possíveis de se identificar. Algumas, bastante perceptíveis, principalmente nos quatro primeiros episódios.
Em primeiro lugar, percebe-se que o autor bebeu muito da fonte dos quadrinhos eróticos de ficção científica criados pelos franceses e italianos na década de 1960. Como Barbarella e Valentina (sim, não se pode esquecer que ela já enfrentou alienígenas). Não seria exagero afirmar que Druuna é, na verdade, uma versão mais moderna ou, se preferir, “futurista”, desse formato. Além de mais ousada. Quando se escreveu que ela era uma “Barbarella que comeu muito spaghetti”, a comparação fora pertinente. As personagens são mesmo bastante parecidas – não fisicamente, claro. Uma das diferenças entre Serpieri e autores como Forest e Crepax foi que ele deixou de lado a ingenuidade, certo romantismo e a fantasia das ameaças extraterrenas e dos mundos fantásticos para produzir uma ficção mais realista, de violência extrema e, claro, pessimista, como manda a tradição.
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Barbarella, por Jean Claude Forest, anos sessenta...



Ficou evidente também, ao longo da série, que Crepax foi uma fonte essencial para Serpieri. Principalmente as aventuras oníricas e sensoriais de Valentina. Em alguns momentos, a proximidade temática das duas personagens soa tão marcante que mais parece uma homenagem de Serpieri a Crepax.
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Crepax

Valentina, por Crepax

Basta dar uma olhada na abertura do primeiro episódio (Morbus Gravis I, estou disponibilizando para download neste post): deitada seminua numa cama, ela lia atentamente um livro, cercada por estantes. Também como Crepax, elementos da Idade Média e a Moderna são uma presença evidente na concepção dos cenários e da arquitetura da cidade de Druuna – mais notado em “Clone”, último álbum lançado - , além dos rituais de castigo corporal como estímulo sexual que suas respectivas heroínas têm sido submetidas regularmente.

Serpieri foi um pouco além nessa referência de tempo e colocou como sacerdotes os caçadores de seres contaminados. Eles lembravam os inquisidores do tempo da contra-reforma da Igreja.

Outro exemplo: no sonho do primeiro capítulo, Druuna e Shastar apareceram nus numa cena bucólica de campo, como a presença de uma torre e de homens encapuzados típicos do longo período de trevas da humanidade.



Druuna viveu inicialmente numa época futura não muito distante do começo do século XXI em que os velhos livros de hoje, segundo os sacerdotes que fazem parte da cúpula de um governo tirânico, não passavam de um amontoado de registros de mentiras, pois aqueles que os escreveram não sabiam “da verdade” – só das “mentiras”. Essas obras trariam, portanto, somente “palavras inúteis e absurdas”.
No episódio em questão, Morbus Gravis, de 1985, a humanidade estava sendo devorada por uma peste chamada “a doença”, que levava as pessoas infectadas a serem caçadas como animais nas ruínas do que outrora pareceu ter sido uma metrópole. A heroína Druuna era criança quando o mal surgiu e se arriscava num esforço sobre humano para não se contaminar num mundo de informação controlada, onde somente os “sacerdotes” detinham o conhecimento e, aparentemente, utilizavam-no para se perpetuarem no poder.
Os sacerdotes diziam que seguiam ordens de um homem “imortal” que, havia séculos, ditava leis e códigos de conduta. Eram também os únicos que conheciam e detinham a produção do remédio que evitava a doença. Pelas regras desse sistema autoritário e por causa da doença, a circulação de pessoas na cidade onde Druuna vivia era restrita ou proibida, de acordo com o nível de contaminação da peste.
No estágio mais avançado, quando as pessoas se tornavam aterradores monstros mutantes de incontáveis tentáculos e havia um desejo incontido de se alimentar de carne humana, elas eram isoladas na chamada Cidade Subterrânea, um lugar muito parecido com o inferno. Viviam como seres em situação irreversível, de grande força física, que só morriam quando eram atingidos num dos músculos do coração.


Eles agiam como animais predadores, porque suas mentes foram reduzidas a um estágio primitivo e selvagem de sobrevivência.
O nível intermediário funcionava como uma espécie de isolamento de quarentena. Ali ficavam também os que tentavam provar que não tinham a doença para que fossem enviados ao piso superior – todos acreditavam que se tratava de uma espécie de paraíso onde ficavam os privilegiados. Quando algum contaminado era descoberto, seu julgamento acontecia de modo sumário: seria despachado com o propósito de alimentar mutantes já metamorfoseados ou lutar para sobreviver até se tornar um deles.
Entre os intermediários, todos levavam uma rotina comum de muita miséria e tensão constante, amontoados num ambiente de ruínas e de destruição, à espera de ração para seu sustento. O terceiro nível, o superior, era uma incógnita para todos. Somente os sacerdotes tinham acesso livre para ir e vir do local. Todos os que foram escolhidos jamais retornaram para dizer como funcionava o lugar.


A jovem Druuna estava no intermediário, quando sua saga teve início. Para conseguir doses do antídoto temporário e escapar da peste, ela passou a subornar guardas e o médico do seu setor, dando-lhes sexo e prazer. No primeiro momento mais picante da série, ela concordou em faze sexo anal com o doutor em troca de uma quantidade maior do remédio. A seqüência em que ela realiza o desejo do médico se tornou antológica, principalmente pela ousadia em tratar de forma explícita um tabu nos quadrinhos que naquela época de sua publicação 1985, eram ainda tão podados pelos censores.



Druuna necessitava de muito antídoto para também abastecer Shastar, seu namorado. O rapaz era tido pelos sacerdotes como um terrorista perigoso e aliado dos mutantes – na verdade, ele estava contaminado e se encontrava em processo de transformação num deles. Isso só não havia ocorrido ainda graças às doses de remédio conseguidas por Druuna.
Depois de sobreviver a alguns perigos, ela decidiu acompanhar uma mutante hermafrodita que a convocou para ajudar os “intermediários” ameaçados pelos “inferiores”, que cada vez mais invadiam seu espaço de isolamento. Só conseguiria seu objetivo de descobrisse a verdade, escondida além dos muros da decadente cidade. Em uma das tentativas para conseguir o medicamento, Druuna se viu envolvida numa estranha trama que iria levá-la a descobrir as origens da doença e outros segredos importantes de seu mundo.
Ela e Shastar acabaram fora da cidade, na área proibida dominada pelos mutantes. No caminho, descobrirarm a existência de Delta, o supercomputador, programado havia séculos para suprir a sobrevivência da cidade e que teria enlouquecido nos últimos anos.


Nesse momento, a heroína começou a receber misteriosas mensagens telepáticas, transmitidas por uma certa pessoa que se denominava Lewis. O ser misterioso lhe explicou que esse foi o meio encontrado por ele para pedir sua ajuda sem que fosse ouvido por Delta. Outrora comandante da nave, Lewis vagava nesse momento como uma espécie de fantasma cibernético, absorvido por Delta pelo menos foi o que ele disse.
Por conta própria, aparentemente, o gigantesco computador tinha se aperfeiçoado no último século, coletado mais e mais informações, roubado tudo o que pôde do cérebro de Lewis e elaborado uma teoria religiosa a partir de seus pensamentos. Veio, então, a revelação: não existia o paraíso do nível superior. Na verdade, para sobreviver, a máquina retirava energia de humanos saudáveis, cuidadosamente selecionados, que eram enganados com a promessa de regalias num suposto paraíso – suas vítimas esperavam ansiosamente por toda a vida pelo grande encontro.
Delta chegara a uma trágica conclusão: a matéria era má porque no começo ela tinha o espírito. Assim, “quando o bem e a antimatéria estão presentes, a matéria desaparece.

Delta é matéria pura. Assim, para ficar em estado de graça, ele deve se suprimir”. Queria dizer que iria destruir tudo à sua volta, inclusive a si próprio, conseqüentemente.
Ao que parecia, a máquina ia conseguir seu propósito, ainda que esse ato entrasse em contradição com sua própria razão de ser. Segundo Lewis, em pouco tempo, a cidade deveria explodir, pois o processo de autodestruição estava em andamento havia algum tempo. Por isso, tentava desesperadamente se comunicar com os homens em busca de socorro para salvar a espécie humana. O problema maior era que ninguém jamais conseguira sair da cidade.
Nesse contexto, Druuna foi escolhida para salvar o pouco que restou de seu povo por ter um espírito saudável, ainda que triste e tomado pelo medo. Ela não demoraria a descobrir uma terrível realidade: não havia mais planeta Terra. Fazia parte, sim, da humanidade que sobreviveu vagando pelo espaço nos últimos séculos, depois do grande desastre que destruiu o planeta. A heroína e todos os outros estavam presos como ratos numa gigantesca nave que vagava pelo espaço comandada por um computador ensandecido, cuja missão inicial era encontrar um novo mundo habitável.
E como aconteceu o processo de loucura de Delta? Serpieri deu suas explicações a conta-gotas, nos episódios seguintes. Inicialmente, disse que, nos últimos cem anos, os humanos haviam descoberto que tinham perdido o caminhos e pedido ao computador para encontrar uma solução. Ou seja, que os levasse de volta. “Foi um erro terrível, nós viajamos durante séculos por todo o cosmo, de um extremo a outro. A Cidade, esse foi o nome que demos à nossa nave, um nome lindo. Eu fui seu primeiro e único comandante”, contou Lewis.
Delta assumiu o comando antes ocupado por Lewis de modo até então inexplicável. Descobriu-se, então, que, desde o início, sua mente cibernética havia se contaminado por uma estranha criatura que viera do espaço. E o pior, a cidade de Druuna, antes uma gigantesca nave, mudara o aspecto e agora tinha a fisionomia de um monstro viajando sem rumo pelo universo infinito. Ou seja, não era mais máquina, mas, sim, um ser orgânico que comandava as vidas em seu interior e as sugava como um vampiro.
Ficou claro? Esse desfecho da primeira aventura deve ter feito muitos leitores imaginarem que a história de Druuna terminaria ali. Afinal, como toda boa trama de ficção científica, as soluções e as conclusões são sempre dispensáveis e a falta de esperança ou de perspectiva virou um clichê para encerrar esse tipo de enredo. Mas havia muito por vir. O final de “Morbus Gravis” prenunciou que ali se encerrava a introdução de uma epopéia bem ao estilo dos grandes livros e filmes do gênero.

Morbus Gravis I


6 comentários:

Anônimo disse...

Neide, muito legal esta 4ª parte. E olha, adoro os trabalhos do Enki Bilal. O cara é mestre tb. Tenho 2 livros dele. Um chama-se crônicas d´além espaço que é divertidíssimo. Adorei. Não sei se vc gosta mas adoro tb Alex Raymond, que é maravilhoso. Se puder, faça umas postagem dele tb. Parabéns

Anônimo disse...

Obrigada pela dica, pesquisarei em profundidade.

Anônimo disse...

Neide, vc já viu nuito Alex Raymond. só não se lembra. Ele ilustrou muito Flash Gordon, Nick Holmes e Jim da Selva. O cara era fera. Beijão.

ABADDON disse...

Neide!

Boa Tarde!

Até que enfim tive tempo de vir até aqui te deixar uma mensagem... Que coisa de louco! Não to com tempo pra nada!

Teu blog tá maravilhoso!
Um grande abraço!

Neide disse...

Oi Et, que bom te ler (já que não dá para nos vermos...rss)!
Pois é, como você deve ter notado, estou dando bastante ênfase às Artes Plásticas, quadrinhos, etc, etc...
Tente dar uma passadinha pelo menos de vez em quando (conforme seu tempo deixar) para ver as novidades.

Um grande abraço!!

Anônimo disse...

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