"O inimigo mais perigoso que você poderá encontrar será sempre você mesmo." ( Friedrich Nietzsche )

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Sexo dos Deuses I


Caricatura: E-Brabo
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Texto: livro “O Sexo dos Deuses”,
por Antonio Carlos Olivieri, Cristina Von, Ed. Nova Alexandria

Poligamia, adultério, fetichismo, satiríase, homossexualismo, bestialidade, incesto...
A fulgurante carreira sexual de Zeus – deus que ocupava o topo na hierarquia divina da Grécia antiga – põe no chinelo a performance de qualquer atleta sexual da atualidade, sejam astros do show-biz, jogadores de futebol ou ex-presidentes norte-americanos...

Europa e Zeus
(em forma de Touro)

O deus grego era insaciável e, sendo um deus, não conhecia limites. De fato, o supremo mandatário do monte Olimpo, se não pensava só naquilo, àquilo dedicava grande parte de suas inesgotáveis energias.
Desde a mais tenra infância, Zeus teve a oportunidade de exercitar à vontade seus talentos libidinosos, sem jamais se preocupar com superego ou repressão de qualquer tipo. Além disso, foi criado por uma ninfa doce e sedutora e amamentado por uma cabra altamente suspeita.
Depois da maioridade, casou-se nada menos do que três vezes, com as deusas mais poderosas e deslumbrantes.
Sem nunca levar em conta a possibilidade de criar um anticoncepcional, semeou dezenas de filhos e filhas, algumas das quais também não escaparam ao ilimitado desejo paterno...
Como um grande executivo dos nossos dias, Zeus ainda teve centenas de amantes e diversas aventuras passageiras. Sêmele, Dione, Eurínome, Mnemosine, Letó, Deméter, Afrodite, Alcmene, Egina, Europa, Io, Calisto, Leda, Taigete, Electra, Níobe...


Mosaico Romano:
Zeus raptando Ganymedes

A lista é interminável e inclui também o nome de um jovem mancebo, Ganimedes...
Aliás, Zeus não tinha preconceitos. Sendo um deus supremo, sabia que estava acima do bem e do mal e assumia uma atitude amoral e blasée, como um autêntico personagem de romance existencialista.
Mas, para seduzir quem quisesse, sem ter problemas com as esposas ciumentas (como Hera, que não costumava condenscender com as infidelidades do marido), o chefão do Olimpo recorreu a sua imensa imaginação – literalmente mitológica – e liberou suas fantasias mais secretas: raptou, estuprou, assumiu personalidades diversas (inclusive femininas) e tomou a forma de vários animais, de modo a não ser reconhecido.

Enfim, fez coisas que a maioria dos mortais – e também dos imortais – não costuma imaginar diante das longas barbas brancas, do porte majestático, da face nobre, sisuda e serena daquela onipotente divindade.
Quem espera encontrar em Zeus o arquétipo de um deus sóbrio, comedido e ponderado revela um total desconhecimento da Mitologia grega.
Não só ele – como também todos os outros deuses da Antigüidade helênica – era movido por grandes paixões.
No caso de Zeus, especificamente, estamos diante de um deus que se atira de cabeça toda vez que fica apaixonado, revelando uma imensa disposição para o amor que os seguintes versos do poeta jônio Anacreonte (séc. VI a.C.) traduzem de maneira sintética e com o impacto de um verdadeiro mergulho:
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“Escalo o alvo rochedo
e dele me atiro
às ondas espumantes,
embriagado de amor.”

Gaia, por Oberon Zell
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É bem verdade que, apesar disso tudo, Zeus nunca descuidou de suas atribuições divinas. Só depois de consolidar seu poder como monarca dos deuses é que ele se deu efetivamente o direito de usufruir das mordomias do cargo. Se fosse um espetáculo, o histórico familiar de Zeus jamais seria classificado como familiar. A folha corrida das relações afetivas de seus antepassados faz as tragédias de Nelson Rodrigues parecerem simples contos de fadas.
Para começar, o avô de Zeus, Urano (o Céu), era casado com a própria irmã, Gaia (a Terra), uma vez que os dois se originaram numa mesma entidade, o Caos primordial.
E o incesto não se resumiu a uma única transada: Urano abusava da irmã obrigando-a a servi-lo como uma escrava sexual, noite após noite – e às vezes durante o dia - , ao longo de muitos séculos.
Além de considerar um dever povoar o Universo – o que é uma bela desculpa para fornicar sem parar - , vovô Urano não acreditava que estivesse sendo promíscuo. Afinal, as coisas eram feitas em família.
Gaia acabou dando à luz dezoito filhos: os seis Titãs e as seis Titânides, os três Ciclopes e os três gigantes Hecatônquiros, que tinham – cada um – cem braços e cinqüenta cabeças, de onde se pode concluir, aliás, que os partos foram dificílimos...
Mas Gaia, apesar de imortal, não era de ferro...
Um dia cansou de ser usada como uma máquina de produzir bebês esquisitos. Vendo seu corpo jovem deformar precocemente e ganhar formas cada vez mais arredondadas, a deusa resolveu convocar os filhos para um motim. Chamou os Titãs – seus primeiros seus filhos – e expôs suas reinvincações. Como a mais liberada das mães, já prevendo, talvez, o surgimento dos direitos sexuais femininos, não fez rodeios para entrar em tema tão delicado. Relatou os abusos que sofria em seus mínimos detalhes.
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A castração de Urano,
fresco by Giorgio Vasari and Gherardi Christofano,
c. 1560 (Sala di Cosimo I, Palazzo Vecchio, Florence)

Ao fim da exposição, seus filhos estavam chocados. Ninguém gosta de ouvir as experiências sexuais da mãe, ainda mais se envolvem práticas sadomasoquistas.
Mas, para surpresa geral, cinco de seus filhos acharam que não deviam se meter em briga de marido e mulher(onde nem os deuses querem meter a colher).
Covardemente, a turma bateu em retirada, deixando o pepino para o mais novo do sexteto, Cronos, o único Titã que se compadeceu da sina da mãe, prometendo ajudá-la.
O caçula dos Titãs acreditava que só recorrendo a um método radical poderia garantir o sossego da mãe para todo o sempre. Estava simplesmente decidido a cortar o mal pela raiz. Passou o resto daquele dia calado, afiando uma foice...
Tarde da noite, quando Urano, seu pai, se enfiava entre os lençóis que revestiam o leito aveludado de Gaia, pronto para mais uma orgia, Cronos deixou seu esconderijo no quarto, avançou silenciosamente contra o pai e decepou-lhe os testículos.
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Chronos por Rubens, 1637

Mas a castração do governante do Universo não foi planejada somente em benefício de Gaia. Cronos também tinha outros objetivos, de caráter eminentemente político.
O ato sanguinário correspondia, na verdade, a um golpe de Estado.
Humilhado e impossibilitado de procriar, Urano sentiu-se incapaz para continuar governando um Universo em franco processo de expansão e povoamento.
Optou pelo exílio, que o livraria da vergonha pública. Vitorioso, Cronos assumiu o poder, embora não tivesse propriamente um novo programa de governo.
Ao contrário, resolveu seguir a mesma linha política de seu pai, transformando-se num tirano muito pior do que ele.
Seguindo a tradição familiar, Cronos casou com Réia, uma de suas irmãs Titânides e começou a fazer filhos em escala industrial: Hera, Deméter, Héstia, Plutão e Poseidon...
Mas o novo rei, dotado de onisciência, pressentiu que, no futuro, também poderia ser destronado por um de seus herdeiros. Para não ter o mesmo fim que deu a Urano, resolveu se livrar dos seus rebentos, recorrendo a uma forma muito pouco convencional de planejamento familiar: arrancava os recém-nascidos dos braços da mãe e os devorava. Um a um, Cronos engoliu todos os filhos e já se preparava para a refeição seguinte, quando sua esposa se cansou de engolir tamanho desaforo.
Estava na hora de dar um basta a essa insensatez de ficar comendo as criancinhas.

Depois de ver devorados seus cinco rebentos, Réia decidiu garantir a sobrevivência do próximo, que viria a ser ninguém menos do que o próprio Zeus. Dizem as lendas, que, para trazê-lo ao mundo em segurança, Réia refugiou-se na ilha de Creta. Só depois do parto – numa gruta nas encostas do monte Ida – voltou ao encontro do esposo, deixando o recém-nascido aos cuidados de duas ninfas.
Réia voltou para o reino dos deuses e foi ao encontro de seu marido Cronos. Sabia de seu apetite insaciável em relação aos filhos. Ele já deveria estar com água na boca, ansioso para degustar o próximo banquete. Então, no lugar do menino, entregou-lhe uma pedra envolvida em lençois de linho.
Cronos engoliu-a, como fizera com os pacotinhos anteriores, sem sequer olhar para o recheio do croquete...
Dessa vez, ele pode até ter achado a comida meio pesada, mas, sendo muito seguro de si, talvez não tenha percebido o engano nem na hora de ir ao banheiro.
De qualquer modo, o sexto filho de Réia, Zeus, nosso queridinho, conseguiu escapar à sanha paterna, crescer e seguir seu destino. Viria assim a destronar seu pai, conquistar o poder e tornar-se um dos personagens principais desta narrativa...
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The Olympians; the chief deities of the Greek pantheon

The Olympians, from Dr. Vollmer's Wörterbuch der Mythologie aller Völker.
Stuttgart: Hoffmann'sche Verlagsbuchhandlung, 1874.

Um comentário:

Anônimo disse...

Uia... adoro mitologia grega, e fico abismado com a criatividade dos caras que contaram tantas histórias assim. Sabia da tara de Zeus e suas trocentas mulheres. E tbm sabia do ciúme de Hera... já q Hércules (filho de Zeus e de uma humana) conta bem essa história, né?

Mas a história toda está mto explicada. Show de bola a postagem o/

Beijos