"O inimigo mais perigoso que você poderá encontrar será sempre você mesmo." ( Friedrich Nietzsche )

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Miles Davis - Get Up With It (1972)

“In a Silent Way iniciou um grande período criativo pra mim, a partir de 1969. Esse disco abriu em minha cabeça um manancial musical que continuou a jorrar nos quatro anos seguintes. Nesse tempo, acho que devo ter entrado em estúdio perto de umas quinze vezes, e concluí cerca de 10 discos (uns saindo mais cedo que outros, mas todos gravados nesse período): In a Silent Way, Bitches Brew, Miles Davis Sextet: At the Fillmore West, Miles Davis: At Fillmore, Miles Davis Septet: At the Isle of Wight, Live-Evil, Miles Davis Septet: At Philharmonic Hall, On the Córner, Big Fun, Get Up With it (Directions e Circles in the Round saíram depois, com gravações feitas neste período.). Mas toda a música era diferente, e isso causava muitos problemas a muitos críticos. Os críticos querem sempre classificar todo mundo, nos pôr num certo lugar em sua cabeça pra poder nos entender. Não gostam de muitas mudanças, porque isso lhes dá trabalho pra entender o que fazemos. Quando comecei a mudar com essa rapidez, muitos críticos passaram a me esnobar, porque não entendiam o que eu fazia. Mas eles nunca significaram grande coisa pra mim, por isso simplesmente prossegui com o que vinha fazendo, tentando crescer como músico.
Entrei numa polêmica com o pessoal dos Prêmios Grammy, em 1971, ao dizer que a maioria dos prêmios ia pra brancos que copiavam coisas dos negros, tristes imitações, em vez da verdadeira música. Disse que deviam dar Prêmios Mammy aos artistas negros. Dariam os prêmios aos músicos e eles os rasgariam diante da televisão. Ao vivo. Odiava o modo como eles tratavam os músicos negros, dando os Grammy a brancos que tocavam como negros. Essa coisa está gasta e nojenta, mas eles ficam putos se a gente fala. Temos de deixá-los tomar o que é nosso, ranger os dentes, mas não ficar putos, e segurar a barra, enquanto eles faturam o dinheiro e a glória. É estranho o modo como muitos brancos pensam.
No início do ano, fiz uma operação de cálculo biliar, e estava me separando de Marguerite Eskridge. Ela não gostava do ritmo de minha vida, nem que eu saísse com outras mulheres. Mais que isso, porém, creio que não gostava de ficar sentada esperando por mim. Me lembro de uma vez, quando estávamos num avião, na Itália, e ela se pôs a chorar. Perguntei o que era e ela disse:
- Você quer que eu seja como um membro de seu conjunto, e eu não posso. Não posso pular quando você estala os dedos. Não posso acompanhar você.
Cara, Marguerite era tão linda que quando ia aos lugares, na Europa, as pessoas a seguiam. Ela gostava de ir a museus, e me lembro que uma vez – talvez tenha sido na Holanda – quando ela entrou no museu, as pessoas se extasiavam por onde quer que ela passasse. Isso a perturbava. Fora modelo, mas não curtia de fato esse tipo de coisa. Era uma pessoa especial, e sempre terei um lugar pra ela em meu coração. Quando estávamos pra nos separar, ela me disse que, se precisasse de alguma coisa, ligasse pra ela que ela viria, mas não podia aceitar regularmente as outras coisas e aquela gente toda. Da última vez que fizemos sexo ela engravidou, de Erin. Quando me disse que estava grávida, eu disse que ia ficar com ela, mas ela respondeu que não era preciso. Ela teve Erin e simplesmente se retirou de minha vida diária. Eu a via de tempos em tempos, mas ela passou a viver sua vida em seus próprios termos. Respeitei isso. Era uma dama realmente espiritual, a quem sempre amarei. Mais tarde, ela se mudou pra Colorado Springs, levando nosso filho Erin consigo.
Depois que Marguerite partiu, Jackie Battle e eu quase nos tornamos um casal. Eu ainda saía às vezes com outras mulheres, mas passava a maior parte do tempo com ela. Jackie e eu tivemos um grande relacionamento. Eu a tinha quase no sangue, tão chegados éramos. Nunca me senti assim com nenhuma outra mulher além de Francês. Mas a fiz passar por muita coisa, porque sei que era de convivência difícil. Ela vivia tentando me tirar da coca, e eu parava por uns tempos, mas depois tornava a recomeçar. Uma vez, quando estávamos num avião pra São Francisco, uma aeromoça se aproximou e me deu uma caixa de fósforos cheia de coca, que comecei a cheirar ali mesmo na poltrona. Cara, às vezes era uma loucura tal, depois que eu cheirava coca e engolia 7 ou 8 Tuinals (depressivos), que eu achava que ouvia vozes e me punha a procurar debaixo dos tapetes, nos radiadores, debaixo dos sofás. Jurava que tinha gente dentro de casa.

Miles Davis por Krzysztof Wlodkowski

Levava Jackie à loucura com esse comportamento, sobretudo quando ficava sem coca. Procurava a droga no carro, revistava a bolsa dela, pois ela sempre a jogava fora, toda vez que encontrava alguma. Uma vez fiquei sem coca e entrávamos num avião pra ir a algum lugar. Eu pensava que Jackie devia ter escondido a coca na bolsa, por isso lhe tomei a bolsa e comecei a revistá-la, pra ver se estava ali. Encontrei um pacotinho de sabão em pó branco. Depois de prová-lo, vi que era sabão e fiquei muito constrangido.
Em outubro de 1972, bati o carro na West Side Highway. Jackie não estava comigo; estava dormindo em casa, onde também eu devia estar. Creio que tínhamos acabado de chegar da estrada naquela noite, e todo mundo vinha meio cansado. Eu não queria ir dormir, embora tivesse tomado um sonífero. Jackie estava em minha casa, e eu queria sair pra algum lugar, mas ela só queria dormir. Por isso saí; acho que ia a algum barzinho da madrugada no Harlem. Seja como for, dormi no volante, bati com o carro numa mureta e quebrei os dois tornozelos. Quando ligaram pra Jackie e lhe deram a notícia, ela teve um ataque ao chegar ao hospital.
Jackie e minha irmã Dorothy, que viera de Chicago de avião pra ajudar, fizeram uma faxina em minha casa enquanto eu estava no hospital. Encontraram fotos Polaroid de mulheres fazendo todo tipo de coisa. Eu costumava apenas olhar aquelas mulheres fazendo aquilo. Não as mandava fazer nem nada disso; elas faziam porque achavam que eu gostaria, e me davam as fotos. Creio que essas fotos irritaram muito Jackie e Dorothy. Mas eu fiquei irritado, porque elas tinham entrado em minha casa e revistado minhas coisas particulares daquele jeito. Naquela época, eu gostava que a casa ficasse às escuras o tempo todo; acho que porque me sentia sombrio.
Creio que esse incidente teve muito a ver como fato de Jackie ter se enchido de mim. Mulheres viviam ligando o tempo todo. E Marguerite morava no apartamento de cima e descia pra cuidar da casa quando Jackie ia pra estrada comigo. Fiquei de cama por quase 3 meses, e quando voltei pra casa, tive de andar de muletas por algum tempo, o que fodeu mais ainda meu quadril.
Quando voltei do hospital pra casa, Jackie me fez jurar que ia me afastar das drogas, e eu me afastei por um tórrido instante. Depois me veio de novo aquela vontade. Me lembro que um dia ela me pôs no pátio junto ao jardim no fundo da casa. Era um belo dia de outono, nem muito quente nem muito frio. Eu dormia numa cama de hospital, onde podia erguer e baixar as pernas. Jackie trazia uma cama e dormia no jardim junto a mim quando fazia bom tempo. À noite, claro, entrávamos pra dormir. Nesse dia, nós descansávamos no jardim, e minha irmã Dorothy dormia lá em cima, dentro de casa. De repente, senti uma tremenda vontade de cheirar cocaína. Me levantei, amparado nas muletas, e liguei pra um amigo que veio me pegar. Eu saí, e quando voltei Jackie e minha irmã estavam histéricas, porque calculavam que eu na certa fora comprar droga. As duas ficaram furiosas, realmente furiosas. Mas Dorothy, como é minha irmã, ficou comigo; Jackie saiu e voltou pra seu apartamento, que nunca largara, e tirou o fone do gancho pra não falar comigo. Quando finalmente consegui falar com ela ao telefone e pedi que voltasse, ela disse que não. E quando dizia não, era não mesmo. Eu sabia que estava acabado e senti pra caralho. Tinha-lhe dado um anel que minha mãe me dera. Mandei Dorothy buscar o anel de minha mãe.
Jackie me dizia as coisas certas. Sem ela, minha vida nos dois anos seguintes entrou na zona escura. Era coca 24 horas por dia, sem nenhuma folga, e eu sofria muitas dores. Comecei a sair com uma mulher chamada Sherry “Peaches” Brewer por algum tempo. Era uma bela mulher, também. Viera de Chicago pra Nova York trabalhar no musical da Broadway Hello Dolly, com Pearl Bailey e Cab Calloway. Nós andávamos juntos, e ela era uma pessoa muito legal, muito boa atriz. Depois saí com uma modelo chamada Sheila Anderson, outra mulher alta e bela. Mas me recolhia cada vez mais em mim mesmo.
Nessa época, eu faturava algo em torno de meio milhão de dólares por ano, mas ainda gastava muito dinheiro em tudo que fazia. Gastava muito em cocaína. Tudo começara a ficar meio fora de foco depois que sofri o acidente de carro...”

“Miles Davis – a Autobiografia”, por Miles e Quincy Troupe, Editora Campus pp. 273, 285 a 288

***Em 320 kbps, com encartes***

Line-up:

Miles Davis - trumpet, piano, organ
Billy Cobham - drums
Airto Moreira - percussion
Michael Henderson - electric bass
Steve Grossman
Pete Cosey
Reggie Lucas
Badal Roy - tabla
Badal Roy - tabla
Khalil Balakrishna - electric sitar
Carlos Garnett - soprano saxophone
John Stubblefield
Cedric Lawson - Fender Rhodes piano
Dominique Gaumont - guitar

Also: Herbie Hancock, John McLaughlin, Keith Jarrett, Al Foster, Al Foster,
Mtume, Dave Liebman, Sonny Fortune


Disc 1:

1. He Loved Him Madly
2. Maiysha
3. Honky Tonk
4. Rated X


Disc 2:

1. Calypso Frelimo
2. Red China Blues
3. Mtume
4. Billy Preston



“ This album is a lot of things. It was intended as a tribute to the recently deceased Duke Ellington, in particular the half-hour first song, "He Loved Him Madly" which slowly builds around Miles' organ playing and three guitarists and climaxes with a great flute part by Dave Liebman. The album, while not sounding much like anything else Miles ever did, certainly pulls its influences from everything else he had done in the seventies. It puts a cap on his electric period, and culminates his own fascination with composing on the organ (in the liner notes, Liebman notes that Miles would often play it with his elbows during the
sessions), with the funk and rock of Sly Stone and Jimi Hendrix, and an epitaph for the jazz greats who were passing on into history. After this, he went into retirement for a few years, and at the time, this was intended as a grand final statement on jazz.
The grooves of Get Up With It are slow and sensuous, and the all-star cast features almost everyone who had worked with him on his landmark electric releases over the past decade. "He Loved Him Madly" is a giant, spacey groove, wending its way over half an hour beginning with ambient organ and strange, moody percussion by Mtume and layering in guitars and flute, gaining a dark, percussive momentum by the end that prefigures post-rock. It's a low, foreboding start, but "Maiysha" turns the tables quickly with a funky soul guitar at play with Miles on organ again and Sonny Fortune on flute, and at about ten minutes the drums kick into high gear and Pete Cosey starts some very weird, funky shit. This sets the stage for the awesome "Honky Tonk" with a Godlike lineup including John McLaughlin, Herbie Hancock, Keith Jarrett and Billy Cobham, making one of the funkiest, sharpest, most rhythmic pieces Miles ever did. It opens with a jumping, wicked duel between guitar and electric piano and works it hot and heavy as a backdrop for Miles to break out his trumpet and go wild. Then with "Rated X" things accelerate even more, into manic, shattering breakbeat territory.
The first disc starts with another half hour track, "Calypso Frelimo" but it carries the insane momentum that had built up over the rest of the first disc. The drums and percussion by Mtume and Al Foster are an all-out assault, and everything else follows suit, humming like a massive engine, then it all comes to a halt at the ten-minute mark for a low, deep groove with bass by Michael Henderson that sounds like the level 2 underground theme from Super Mario Bros while the other instruments explore the space above full of call and response melodies and heavy atmosphere, then at twenty-two minutes suddenly explodes back into full force. "Red China Blues" is a pretty standard electric blues workout, then "Mtume" is of course a pure rhythm exercise, and the final "Billy Preston" is a funky bass showcase. These last three are each a summation of a style in contrast to the other five songs which are a spacial exploration of sound.
This was intended at the time as Miles' ultimate statement on jazz, and perhaps it is that, not to mention one hell of a ride. This is the playground of a master.”
(review by Rateyourmusic)
.
“ Em meados de 1974, ao mesmo tempo metralhado pela crítica e pelos puristas ligados ao Jazz tradicional de "traidor" e acusado de "o músico que denegriu o jazz", porém desfrutando de um impressionante sucesso de público, que comprava seus discos em enormes quantidades e que lotavam seus shows, Miles Davis começava a sentir sua saúde lentamente declinando. Após uma longa e bem-sucedida luta contra a heroína no inicio dos anos 50, Davis cairia no início dos 70 para o vício do Álcool e (segundo alguns) da cocaína, e o resultado dessa mistura começava a mostrar seus efeitos no período. Entretanto, miles ainda conseguia superar essas limitações e decidiu que após o trabalho conciso, mas de influência sonora bastante específica que havia sido seu antecessor On The Corner, sua próxima aventura no terreno fusion deveria ser a mais extrema e experimental que já havia realizado.Chamou novamente seu produtor de longa data Teo Marceo, juntou novamente seu excelente time de músicos e colegas e decidiu fazer longas, experimentais e tensas (segundo Keith jarrett que participou das gravações, muito tensas, pois além do perfeccionismo extremo de Miles, o mesmo ainda tinha explosões de raiva, devido ao seu estado de saúde) improvisações, reutilizando trabalhos não aproveitados pelo músico entre 1970-73, realizou assim seu trabalho mais ousado em sua fase elétrica.A primeira musica, he love him madly, era uma sincera e empolgante homenagem ao grande músico de Jazz Duke Ellington, falecido na época. Em sua extremamente longa duração, Miles faz literalmente uma fusão de Rock, musica negra com improvisações e sonoridades ligadas mais ao jazz tradicional do qual ellington fazia parte, isso dá uma característica bastante peculiar nessa faixa, onde o velho e o novo se fundem de forma excepcional e eficiente. Maiysha é uma canção que lembra um pouco miles no início de sua empreitada fusion, com boas doses de experimentalismo. Já Honky Tonk é um blues bem no estilo B B King, recheado de ótimos solos de miles. Rated X e Billy Preston lembram um pouco um Miles mais ligado a música negra, com pitadas de funk e Soul, sendo que Rated X na verdade foi feita para o álbum On the corner, retirado na última hora.Calipso Frelimo, uma das músicas preferidas de Miles, talvez seja a que mais define o músico em sua fase elétrica. Em seus mais de 30 minutos de duração, dividida em três partes, vemos o artista explorar todas as possibilidades sonoras e misturas de estilos (rock, funk jazz, blues e até pitadas de sons orientais na cítira de Balakrisihina e Brasileiros na percussão de Airto) que o fusion lhe oferecia, percebendo também uma coesão impressionante dos músicos e que os mesmos foram utilizados a exaustão por Miles.Outra faixa interessante é Mtume (sobrenome do percussionista James foreman), onde o musico dá uma excelente performance (segundo ele, sobre os olhares altamente rigorosos de Miles) muito bem acompanhados pelo trumpete do mestre e pela excelente banda.A gravadora Columbia na época fez uma enorme pressão em Miles para que o mesmo editasse suas composições e lançasse um álbum de duração menor (na época a prensagem de um lado de vinil era de no máximo 35 minutos, porém após 27 minutos utilizados, o custo do mesmo aumentava de forma drástica, problema que o cd com sua duração maior resolveu), porém o músico não deu o braço a torcer e a gravadora acabou cedendo, lançando o álbum na integra em fevereiro de 1975.Miles após esse álbum veria sua saúde declinar de forma brusca, a ponto de não conseguir mais executar suas performances em pé e as vezes, tendo que interromper os shows para recuperar o fôlego. Após uma sacrificante turnê pela África entre junho-agosto de 1975 (do qual seriam registrados nos álbuns agharta e pangea) Miles jogou a toalha e decidiu se afastar do meio musical para tratar de sua muito debilitada saúde, só retornando em 1981.Excelente pedida, principalmente para conhecer a fase elétrica de Miles em seu extremo.

3 comentários:

Anônimo disse...

let's get up


amor

Neide disse...

Gracias pela tua visita Santiago...Get up on the air!!

Hugs!

Anônimo disse...

Fantastico!!! Gracias!!!