
Entrei numa polêmica com o pessoal dos Prêmios Grammy, em 1971, ao dizer que a maioria dos prêmios ia pra brancos que copiavam coisas dos negros, tristes imitações, em vez da verdadeira música. Disse que deviam dar Prêmios Mammy aos artistas negros. Dariam os prêmios aos músicos e eles os rasgariam diante da televisão. Ao vivo. Odiava o modo como eles tratavam os músicos negros, dando os Grammy a brancos que tocavam como negros. Essa coisa está gasta e nojenta, mas eles ficam putos se a gente fala. Temos de deixá-los tomar o que é nosso, ranger os dentes, mas não ficar putos, e segurar a barra, enquanto eles faturam o dinheiro e a glória. É estranho o modo como muitos brancos pensam.
No início do ano, fiz uma operação de cálculo biliar, e estava me separando de Marguerite Eskridge. Ela não gostava do ritmo de minha vida, nem que eu saísse com outras mulheres. Mais que isso, porém, creio que não gostava de ficar sentada esperando por mim. Me lembro de uma vez, quando estávamos num avião, na Itália, e ela se pôs a chorar. Perguntei o que era e ela disse:
- Você quer que eu seja como um membro de seu conjunto, e eu não posso. Não posso pular quando você estala os dedos. Não posso acompanhar você.
Cara, Marguerite era tão linda que quando ia aos lugares, na Europa, as pessoas a seguiam. Ela gostava de ir a museus, e me lembro que uma vez – talvez tenha sido na Holanda – quando ela entrou no museu, as pessoas se extasiavam por onde quer que ela passasse. Isso a perturbava. Fora modelo, mas não curtia de fato esse tipo de coisa. Era uma pessoa especial, e sempre terei um lugar pra ela em meu coração. Quando estávamos pra nos separar, ela me disse que, se precisasse de alguma coisa, ligasse pra ela que ela viria, mas não podia aceitar regularmente as outras coisas e aquela gente toda. Da última vez que fizemos sexo ela engravidou, de Erin. Quando me disse que estava grávida, eu disse que ia ficar com ela, mas ela respondeu que não era preciso. Ela teve Erin e simplesmente se retirou de minha vida diária. Eu a via de tempos em tempos, mas ela passou a viver sua vida em seus próprios termos. Respeitei isso. Era uma dama realmente espiritual, a quem sempre amarei. Mais tarde, ela se mudou pra Colorado Springs, levando nosso filho Erin consigo.
Depois que Marguerite partiu, Jackie Battle e eu quase nos tornamos um casal. Eu ainda saía às vezes com outras mulheres, mas passava a maior parte do tempo com ela. Jackie e eu tivemos um grande relacionamento. Eu a tinha quase no sangue, tão chegados éramos. Nunca me senti assim com nenhuma outra mulher além de Francês. Mas a fiz passar por muita coisa, porque sei que era de convivência difícil. Ela vivia tentando me tirar da coca, e eu parava por uns tempos, mas depois tornava a recomeçar. Uma vez, quando estávamos num avião pra São Francisco, uma aeromoça se aproximou e me deu uma caixa de fósforos cheia de coca, que comecei a cheirar ali mesmo na poltrona. Cara, às vezes era uma loucura tal, depois que eu cheirava coca e engolia 7 ou 8 Tuinals (depressivos), que eu achava que ouvia vozes e me punha a procurar debaixo dos tapetes, nos radiadores, debaixo dos sofás. Jurava que tinha gente dentro de casa.

Levava Jackie à loucura com esse comportamento, sobretudo quando ficava sem coca. Procurava a droga no carro, revistava a bolsa dela, pois ela sempre a jogava fora, toda vez que encontrava alguma. Uma vez fiquei sem coca e entrávamos num avião pra ir a algum lugar. Eu pensava que Jackie devia ter escondido a coca na bolsa, por isso lhe tomei a bolsa e comecei a revistá-la, pra ver se estava ali. Encontrei um pacotinho de sabão em pó branco. Depois de prová-lo, vi que era sabão e fiquei muito constrangido.
Em outubro de 1972, bati o carro na West Side Highway. Jackie não estava comigo; estava dormindo em casa, onde também eu devia estar. Creio que tínhamos acabado de chegar da estrada naquela noite, e todo mundo vinha meio cansado. Eu não queria ir dormir, embora tivesse tomado um sonífero. Jackie estava em minha casa, e eu queria sair pra algum lugar, mas ela só queria dormir. Por isso saí; acho que ia a algum barzinho da madrugada no Harlem. Seja como for, dormi no volante, bati com o carro numa mureta e quebrei os dois tornozelos. Quando ligaram pra Jackie e lhe deram a notícia, ela teve um ataque ao chegar ao hospital.
Jackie e minha irmã Dorothy, que viera de Chicago de avião pra ajudar, fizeram uma faxina em minha casa enquanto eu estava no hospital. Encontraram fotos Polaroid de mulheres fazendo todo tipo de coisa. Eu costumava apenas olhar aquelas mulheres fazendo aquilo. Não as mandava fazer nem nada disso; elas faziam porque achavam que eu gostaria, e me davam as fotos. Creio que essas fotos irritaram muito Jackie e Dorothy. Mas eu fiquei irritado, porque elas tinham entrado em minha casa e revistado minhas coisas particulares daquele jeito. Naquela época, eu gostava que a casa ficasse às escuras o tempo todo; acho que porque me sentia sombrio.
Creio que esse incidente teve muito a ver como fato de Jackie ter se enchido de mim. Mulheres viviam ligando o tempo todo. E Marguerite morava no apartamento de cima e descia pra cuidar da casa quando Jackie ia pra estrada comigo. Fiquei de cama por quase 3 meses, e quando voltei pra casa, tive de andar de muletas por algum tempo, o que fodeu mais ainda meu quadril.
Quando voltei do hospital pra casa, Jackie me fez jurar que ia me afastar das drogas, e eu me afastei por um tórrido instante. Depois me veio de novo aquela vontade. Me lembro que um dia ela me pôs no pátio junto ao jardim no fundo da casa. Era um belo dia de outono, nem muito quente nem muito frio. Eu dormia numa cama de hospital, onde podia erguer e baixar as pernas. Jackie trazia uma cama e dormia no jardim junto a mim quando fazia bom tempo. À noite, claro, entrávamos pra dormir. Nesse dia, nós descansávamos no jardim, e minha irmã Dorothy dormia lá em cima, dentro de casa. De repente, senti uma tremenda vontade de cheirar cocaína. Me levantei, amparado nas muletas, e liguei pra um amigo que veio me pegar. Eu saí, e quando voltei Jackie e minha irmã estavam histéricas, porque calculavam que eu na certa fora comprar droga. As duas ficaram furiosas, realmente furiosas. Mas Dorothy, como é minha irmã, ficou comigo; Jackie saiu e voltou pra seu apartamento, que nunca largara, e tirou o fone do gancho pra não falar comigo. Quando finalmente consegui falar com ela ao telefone e pedi que voltasse, ela disse que não. E quando dizia não, era não mesmo. Eu sabia que estava acabado e senti pra caralho. Tinha-lhe dado um anel que minha mãe me dera. Mandei Dorothy buscar o anel de minha mãe.
Jackie me dizia as coisas certas. Sem ela, minha vida nos dois anos seguintes entrou na zona escura. Era coca 24 horas por dia, sem nenhuma folga, e eu sofria muitas dores. Comecei a sair com uma mulher chamada Sherry “Peaches” Brewer por algum tempo. Era uma bela mulher, também. Viera de Chicago pra Nova York trabalhar no musical da Broadway Hello Dolly, com Pearl Bailey e Cab Calloway. Nós andávamos juntos, e ela era uma pessoa muito legal, muito boa atriz. Depois saí com uma modelo chamada Sheila Anderson, outra mulher alta e bela. Mas me recolhia cada vez mais em mim mesmo.
Nessa época, eu faturava algo em torno de meio milhão de dólares por ano, mas ainda gastava muito dinheiro em tudo que fazia. Gastava muito em cocaína. Tudo começara a ficar meio fora de foco depois que sofri o acidente de carro...”
“Miles Davis – a Autobiografia”, por Miles e Quincy Troupe, Editora Campus pp. 273, 285 a 288
Em outubro de 1972, bati o carro na West Side Highway. Jackie não estava comigo; estava dormindo em casa, onde também eu devia estar. Creio que tínhamos acabado de chegar da estrada naquela noite, e todo mundo vinha meio cansado. Eu não queria ir dormir, embora tivesse tomado um sonífero. Jackie estava em minha casa, e eu queria sair pra algum lugar, mas ela só queria dormir. Por isso saí; acho que ia a algum barzinho da madrugada no Harlem. Seja como for, dormi no volante, bati com o carro numa mureta e quebrei os dois tornozelos. Quando ligaram pra Jackie e lhe deram a notícia, ela teve um ataque ao chegar ao hospital.
Jackie e minha irmã Dorothy, que viera de Chicago de avião pra ajudar, fizeram uma faxina em minha casa enquanto eu estava no hospital. Encontraram fotos Polaroid de mulheres fazendo todo tipo de coisa. Eu costumava apenas olhar aquelas mulheres fazendo aquilo. Não as mandava fazer nem nada disso; elas faziam porque achavam que eu gostaria, e me davam as fotos. Creio que essas fotos irritaram muito Jackie e Dorothy. Mas eu fiquei irritado, porque elas tinham entrado em minha casa e revistado minhas coisas particulares daquele jeito. Naquela época, eu gostava que a casa ficasse às escuras o tempo todo; acho que porque me sentia sombrio.
Creio que esse incidente teve muito a ver como fato de Jackie ter se enchido de mim. Mulheres viviam ligando o tempo todo. E Marguerite morava no apartamento de cima e descia pra cuidar da casa quando Jackie ia pra estrada comigo. Fiquei de cama por quase 3 meses, e quando voltei pra casa, tive de andar de muletas por algum tempo, o que fodeu mais ainda meu quadril.
Quando voltei do hospital pra casa, Jackie me fez jurar que ia me afastar das drogas, e eu me afastei por um tórrido instante. Depois me veio de novo aquela vontade. Me lembro que um dia ela me pôs no pátio junto ao jardim no fundo da casa. Era um belo dia de outono, nem muito quente nem muito frio. Eu dormia numa cama de hospital, onde podia erguer e baixar as pernas. Jackie trazia uma cama e dormia no jardim junto a mim quando fazia bom tempo. À noite, claro, entrávamos pra dormir. Nesse dia, nós descansávamos no jardim, e minha irmã Dorothy dormia lá em cima, dentro de casa. De repente, senti uma tremenda vontade de cheirar cocaína. Me levantei, amparado nas muletas, e liguei pra um amigo que veio me pegar. Eu saí, e quando voltei Jackie e minha irmã estavam histéricas, porque calculavam que eu na certa fora comprar droga. As duas ficaram furiosas, realmente furiosas. Mas Dorothy, como é minha irmã, ficou comigo; Jackie saiu e voltou pra seu apartamento, que nunca largara, e tirou o fone do gancho pra não falar comigo. Quando finalmente consegui falar com ela ao telefone e pedi que voltasse, ela disse que não. E quando dizia não, era não mesmo. Eu sabia que estava acabado e senti pra caralho. Tinha-lhe dado um anel que minha mãe me dera. Mandei Dorothy buscar o anel de minha mãe.
Jackie me dizia as coisas certas. Sem ela, minha vida nos dois anos seguintes entrou na zona escura. Era coca 24 horas por dia, sem nenhuma folga, e eu sofria muitas dores. Comecei a sair com uma mulher chamada Sherry “Peaches” Brewer por algum tempo. Era uma bela mulher, também. Viera de Chicago pra Nova York trabalhar no musical da Broadway Hello Dolly, com Pearl Bailey e Cab Calloway. Nós andávamos juntos, e ela era uma pessoa muito legal, muito boa atriz. Depois saí com uma modelo chamada Sheila Anderson, outra mulher alta e bela. Mas me recolhia cada vez mais em mim mesmo.
Nessa época, eu faturava algo em torno de meio milhão de dólares por ano, mas ainda gastava muito dinheiro em tudo que fazia. Gastava muito em cocaína. Tudo começara a ficar meio fora de foco depois que sofri o acidente de carro...”
“Miles Davis – a Autobiografia”, por Miles e Quincy Troupe, Editora Campus pp. 273, 285 a 288

Line-up:
Miles Davis - trumpet, piano, organ
Billy Cobham - drums
Airto Moreira - percussion
Michael Henderson - electric bass
Steve Grossman
Pete Cosey
Reggie Lucas
Badal Roy - tabla
Badal Roy - tabla
Khalil Balakrishna - electric sitar
Carlos Garnett - soprano saxophone
John Stubblefield
Cedric Lawson - Fender Rhodes piano
Dominique Gaumont - guitar
Also: Herbie Hancock, John McLaughlin, Keith Jarrett, Al Foster, Al Foster,
Mtume, Dave Liebman, Sonny Fortune
.jpg)
Disc 1:
1. He Loved Him Madly
2. Maiysha
3. Honky Tonk
4. Rated X
1. He Loved Him Madly
2. Maiysha
3. Honky Tonk
4. Rated X
Disc 2:
1. Calypso Frelimo
2. Red China Blues
3. Mtume
4. Billy Preston

sessions), with the funk and rock of Sly Stone and Jimi Hendrix, and an epitaph for the jazz greats who were passing on into history. After this, he went into retirement for a few years, and at the time, this was intended as a grand final statement on jazz.
The grooves of Get Up With It are slow and sensuous, and the all-star cast features almost everyone who had worked with him on his landmark electric releases over the past decade. "He Loved Him Madly" is a giant, spacey groove, wending its way over half an hour beginning with ambient organ and strange, moody percussion by Mtume and layering in guitars and flute, gaining a dark, percussive momentum by the end that prefigures post-rock. It's a low, foreboding start, but "Maiysha" turns the tables quickly with a funky soul guitar at play with Miles on organ again and Sonny Fortune on flute, and at about ten minutes the drums kick into high gear and Pete Cosey starts some very weird, funky shit. This sets the stage for the awesome "Honky Tonk" with a Godlike lineup including John McLaughlin, Herbie Hancock, Keith Jarrett and Billy Cobham, making one of the funkiest, sharpest, most rhythmic pieces Miles ever did. It opens with a jumping, wicked duel between guitar and electric piano and works it hot and heavy as a backdrop for Miles to break out his trumpet and go wild. Then with "Rated X" things accelerate even more, into manic, shattering breakbeat territory.
The first disc starts with another half hour track, "Calypso Frelimo" but it carries the insane momentum that had built up over the rest of the first disc. The drums and percussion by Mtume and Al Foster are an all-out assault, and everything else follows suit, humming like a massive engine, then it all comes to a halt at the ten-minute mark for a low, deep groove with bass by Michael Henderson that sounds like the level 2 underground theme from Super Mario Bros while the other instruments explore the space above full of call and response melodies and heavy atmosphere, then at twenty-two minutes suddenly explodes back into full force. "Red China Blues" is a pretty standard electric blues workout, then "Mtume" is of course a pure rhythm exercise, and the final "Billy Preston" is a funky bass showcase. These last three are each a summation of a style in contrast to the other five songs which are a spacial exploration of sound.
This was intended at the time as Miles' ultimate statement on jazz, and perhaps it is that, not to mention one hell of a ride. This is the playground of a master.” (review by Rateyourmusic)
The grooves of Get Up With It are slow and sensuous, and the all-star cast features almost everyone who had worked with him on his landmark electric releases over the past decade. "He Loved Him Madly" is a giant, spacey groove, wending its way over half an hour beginning with ambient organ and strange, moody percussion by Mtume and layering in guitars and flute, gaining a dark, percussive momentum by the end that prefigures post-rock. It's a low, foreboding start, but "Maiysha" turns the tables quickly with a funky soul guitar at play with Miles on organ again and Sonny Fortune on flute, and at about ten minutes the drums kick into high gear and Pete Cosey starts some very weird, funky shit. This sets the stage for the awesome "Honky Tonk" with a Godlike lineup including John McLaughlin, Herbie Hancock, Keith Jarrett and Billy Cobham, making one of the funkiest, sharpest, most rhythmic pieces Miles ever did. It opens with a jumping, wicked duel between guitar and electric piano and works it hot and heavy as a backdrop for Miles to break out his trumpet and go wild. Then with "Rated X" things accelerate even more, into manic, shattering breakbeat territory.
The first disc starts with another half hour track, "Calypso Frelimo" but it carries the insane momentum that had built up over the rest of the first disc. The drums and percussion by Mtume and Al Foster are an all-out assault, and everything else follows suit, humming like a massive engine, then it all comes to a halt at the ten-minute mark for a low, deep groove with bass by Michael Henderson that sounds like the level 2 underground theme from Super Mario Bros while the other instruments explore the space above full of call and response melodies and heavy atmosphere, then at twenty-two minutes suddenly explodes back into full force. "Red China Blues" is a pretty standard electric blues workout, then "Mtume" is of course a pure rhythm exercise, and the final "Billy Preston" is a funky bass showcase. These last three are each a summation of a style in contrast to the other five songs which are a spacial exploration of sound.
This was intended at the time as Miles' ultimate statement on jazz, and perhaps it is that, not to mention one hell of a ride. This is the playground of a master.” (review by Rateyourmusic)
.
.jpg)
3 comentários:
let's get up
amor
Gracias pela tua visita Santiago...Get up on the air!!
Hugs!
Fantastico!!! Gracias!!!
Postar um comentário