Marc Ford foi o guitarrista do Black Crowes entre o período de 1992 e 1997 participando dos álbuns Three Snakes and One Charm (1996), Amorica (1994) e The Southern Harmony and Musical Companion (1992), estes dois últimos, os melhores discos do grupo na minha modesta opinião. Houve ainda dois trabalhos não lançados, sabe lá Deus por que: Tall (1993) e The Band (1997). Na verdade, em 2006 foi lançada uma coletânea chamada The Lost Crowes, que segundo o release traz os dois discos juntos, mais algumas faixas perdidas, porém não é bem assim, pois eu tenho o bootleg do Tall e há uma série de músicas que não foram incluídas no The Lost Crowes.
Ford nasceu em 13 de abril de 1966 na cidade de Los Angelis, Califórnia-EUA. Antes de voar com os “Corvos Negros”, ele (e a esposa Kirsten Ford, vocais) fez parte de uma banda chamada
The Scarecrows que gravou um disco em 1988, mas só foi lançado em 2006 sob o título de The Scarecrows Featuring Marc Ford, ou seja, é o tipo de coisa que só colocaram no mercado anos mais tarde porque um dos integrantes ficou famoso, e o pior é que o som não era nada mal, nada mal mesmo! Clique aí em cima no nome da banda e confira pessoalmente. Depois, ele formou o power trio
Burning Tree, com Mark Dutton no baixo e Doni Gray na batera e a banda lançou um álbum homônimo em 1990 que ganhou a simpatia da crítica, mas foi um fracasso de venda. Eu não tenho nenhum destes dois discos, portanto se alguém tiver para partilhar, aceito de bom grado! O Burning Tree abriu um show dos Crowes em 90 e a postura e destreza do guitarrista chamaram a atenção de Chris Robinson. “Tudo que eu sabia sobre eles, é que tocavam alto, estavam no movimento e que o vocalista era mal humorado,” comenta Ford sobre os Crowes. Robinson começou a convidá-lo para umas jam sessions. “Olhando para trás, foi um longo cortejo,” lembra Ford. “Éramos fãs um do disco do outro”. Ele recorda a primeira vez em que ouviu o álbum Shake Your Money Maker: “eu estava dirigindo, coloquei o CD para tocar e de repente, parei o carro! Meu Deus, ouça o canto desse cara! Ele canta como eu toco guitarra!” Disse ele. Não demorou muito, Ford foi convidado a se juntar à banda, causando impacto imediato.
A primeira passagem de Marc Ford no Black Crowes terminou em agosto de 1997, logo após a participação no Furthur Festival em Camden, New Jersey, quando, segundo a versão da banda, ele foi despedido devido a problemas de abuso com as drogas, mas o guitarrista tem uma outra versão e alega que não foi bem esse o motivo. Toda aquela alta atmosfera que rola no estrelato do rock n’ roll começou a criar uma neblina de indiferença durante os últimos dois anos com a banda. “Eu não estava mais lá, espiritual e mentalmente,” diz Ford. “Estava meio óbvio que eu não me importava mais. Eu nem tinha mais vontade de tocar guitarra,” conclui. Durante esse período com os Crowes em 1994, ele ainda participou tocando slide guitar, na gravação do disco The Very Crystal Speed Machine, do grupo Thee Hypnotics, que foi produzido por Chris Robinson.
Depois do rompimento, dizem que ele foi passar uns tempos em uma clínica de reabilitação, mas não estou bem certo se isso é verdadeiro ou lenda. O certo mesmo é que ele formou sua própria banda, Marc Ford and the Uninvited, (o nome me pareceu bem apropriado para o momento) e continuou a fazer apresentações ao vivo pelos Estados Unidos até o final do ano. Em 1998, Ford se apresentou diversas vezes com o Gov’t Mule antes de se juntar à Chris Stills Band para a turnê de verão e ao final desse giro ele deixa a Chris Stills Band, para fundar com
Luther Russell (The Freewheelers) o Federale. Essa banda ganhou o interesse de um pequeno selo, a Interscope Records com a qual eles fizeram um contrato de gravação e imediatamente começaram os trabalhos. Ficou até acertado que o Federale abriria as apresentações do Gov’t Mule, mas acabou indo tudo por água abaixo depois que a Interscope Records foi comprada pela Universal Music que não sentiu viabilidade comercial no projeto. “Eles disseram que o nosso som era ótimo, mas que precisavam de um novo Limp Bizkit! Aquilo foi o fim!!” Recorda o guitarrista.
Felizmente os amigos do Gov’t Mule sempre tinham as portas abertas para ele e em 1999 lá está Ford participando do álbum Live...with a Little Help From Our Friends, Vol. 1. “Em 96 nós (os Crowes) fizemos uma turnê com o Gov’t Mule e fiquei muito amigo do baixista
Allen Woody,” lembra. No ano seguinte, junto com os “mules”, Woody e Matt Abts (bateria), mais o tecladista Johnny Neel e o baixista Berry Oakley Jr, Ford se envolve num projeto tributo ao Pink Floyd chamado
Blue Floyd. “Woody gostava de tocar guitarra comigo, então nós juntamos umas músicas do Floyd e as colocamos em situações de blues, montando a banda mais por diversão do que qualquer outra pretensão.” Começaram a fazer algumas apresentações e a brincadeira acabou virando um grande sucesso, ajudando Ford a se manter nos olhos do público enquanto ele estudava quais seriam seus próximos passos. Essas apresentações do Blue Floyd ficaram muito famosas pela espontaneidade, jams psicodélicas, e pela longa duração dos shows que chegavam a ter três horas. Muitas dessas apresentações foram gravadas e algumas até chegaram a ser disponibilizadas no site do Gov’t Mule, mas nenhum disco fora lançado até março deste ano quando saiu o álbum Begins com o registro de algumas performances (postado no blog
Zinhof, para quem quiser conferir).
O guitarrista deixou o Blue Floyd ao final de 2001, mas enquanto estavam juntos, aproveitou para gravar as canções que compôs nos cinco anos subseqüentes à sua saída do Black Crows, e chegara o momento de investir naquele material que eventualmente se tornaria o seu primeiro álbum solo intitulado It’s About Time. Mas, ao que
parece, segundo a biografia publicada no site oficial dele, o cara se pôs numa encruzilhada, ao tentar, pela primeira vez em sua carreira, atenuar sua consagrada imagem como guitarrista. “Naquela época calculei que todo mundo soubesse quem eu era e que eu seria capaz de tocar guitarra,” diz ele. “Já o havia feito durante seis anos (no Black Crows), então, quando saí eu tinha estas canções em que estava trabalhando, e tudo que eu queria fazer era dedicar-me inteiramente a elas.” O resultado foi um corajoso, porém ainda tímido esforço que demonstrou tanto uma surpreendente profundidade como a sua diversidade como um orgânico compositor, permitindo transparecer influências de pioneiros de country rock como Neil Young e The Band. O disco foi lançado em pequena escala em 2002, mas não chamou muita atenção na época, tanto que muita gente acha que ele só saiu em 2006, quando foi relançado. Esse trabalho contou com a participação de todos os membros dos Gov’t Mule e ainda teve Gary Louris guitarrista do Jayhawks, Craig Ross guitarrista do Lenny Kravitz e Ben Harper. Certamente foi uma das últimas gravações de Allen Woody, antes de falecer em agosto de 2000. “Woody era um grande cara!” Recorda Ford.
Em janeiro de 2002 durante uma de suas apresentações costumeiras no
Malibu Inn, na Califórnia, Ford deu boas vindas para Chris Robinson no palco e eles executaram uma série de canções em desempenho memorável. Essa performance, marcou a primeira vez em que os dois tocaram juntos desde que Ford foi “demitido” do Black Crowes há quase cinco anos atrás. Ambos se apresentariam juntos novamente no Malibu Inn duas semanas depois, confirmando que eles fizeram as pazes e Ford até foi co-autor de “Sunday Sound”, uma das músicas presentes no
New Earth Mud, primeiro álbum solo de Robinson, lançado em outubro daquele ano. Essas apresentações no Malibu Inn incentivaram Ford a investir naquele grupo, chamado The Sinners, que ele formou com seu ex-companheiro do Blue
Floyd, o baixista Berry Oakley Jr., juntamente com Gootch na bateria e Chris Joyner nos teclados (Robinson não fazia parte). A cantora country
Lucinda Williams, até deu uma força para eles atuando como uma espécie de embaixadora do grupo e iniciou uma aproximação com a Lost Highway Records. Ford começou a finalizar o material para iniciar as sessões de gravação, mas o acordo com a gravadora não vingou e Marc Ford and The Sinners ainda sobreviveram por uns tempos abrindo os shows de Lucinda Williams. Porém, sem o apoio de um selo, foi ficando financeiramente difícil para eles se manterem na estrada até que Ford acabou aceitando o convite de Ben Harper para se juntar ao Innocent Criminals, relegando o Sinners a um hiato indefinido.
O guitarrista continuou com o Ben Harper & The Innocent Criminals por toda a temporada de 2003 e sua atuação pode ser conferida no DVD Live at the Hollywood Bawl. Ele também esteve com Harper e os Five Blind Boys of Alabama no projeto gospel-blues
There Will Be a Light. Álbum que ganhou o Grammy em 2005 como Best Traditional Soul Gospel Album (melhor disco de soul gospel tradiconal) e também um prêmio da NAACP (American
National Association for the Advancement of Colored People). Uma ironia que Ford não deixou escapar: “Não são muitos os caras brancos que têm um desses”! Declara rindo orgulhosamente.
O que aconteceu a seguir foi surpreendente não só para os fãs, mas também para o próprio Marc. “Isso seria a última coisa, verdadeiramente a última coisa que passaria pela minha cabeça”, disse Ford ao final de 2004, quando deixou o Innocent Criminals para se juntar mais uma vez ao The Black Crowes. “Tivemos um encontro onde nos desculpamos e falamos tudo o que deviria ser dito,” disse ele. “A música sempre foi fantástica, então eu pensei
por que não? Se não for bom, então não será bom, mas se for bom, então será GRANDE!” E com isso The Black Crowes estava de volta. Ford e os Crowes se conectaram no palco como num sonho e imediatamente embarcaram numa turnê na primavera de 2005. Os shows foram universalmente celebrados como um retorno triunfal. Cinco noites eletrizantes no Fillmore de São Francisco, foram gravadas naquele verão resultando no primeiro DVD de um concerto ao vivo deles:
Freak ‘n’ Roll... Into the Fog, também lançado em CD. Infelizmente o retorno não foi duradouro. Como a banda viajou quase continuamente pelo ano seguinte, Ford imaginou que sua recente adquirida sobriedade, uma conquista importante na sua carreira como guitarrista, estava aos poucos sendo colocada em risco pelas incessantes viagens, e como quem está sonhando, uma hora é preciso acordar, assim Ford tocou pela última vez com os Crowes no imponente Red Rocks Amphitheater, no verão de 2006. Segundo algumas fontes, a comunicação da separação foi no mínimo fria, para não dizer grosseira: dias antes do programado para o Black Crowes cair na estrada a fim cumprir a perna de outono da turnê de reencontro, o empresário do grupo é notificado, via fax, pelo advogado de Ford que ele estava se desligando da banda. Pelo resto do ano o guitarrista voltou a trabalhar com Harper e acabou fazendo parte da gravação do DC duplo
Both Sides of the Gun (2006) e participou de alguns shows também.
Depois de tantas tentativas frustradas de deslanchar em definitivo na carreira solo, ele resolveu tentar mais uma vez e desta, recorreu ao passado recrutando os ex-coloegas do Burning Tree, Mark "Muddy" Dutton e Doni Gray, para começarem os trabalhos de um novo álbum: Weary and Wired, lançado em Março de 2007. A obra que contou também com a participação especial de alguns músicos convidados, entres os quais seu filho Elijah Ford, tocando baixo na faixa de abertura “Featherweight Dreamland” e fazendo a segunda guitarra em “1000 Ways”. Enquanto em seu primeiro lançamento, dedicou-se mais à pessoal emergência como compositor, Weary and Wired solidifica o status de Ford como um dos mais importantes guitarristas de rock’n’roll, caso alguém tenha esquecido. “Tem um quê do swing dos Crows” diz ele, mas os riffs ásperos que apimentam o álbum como um estampido de uma arma de fogo, são a assinatura de Marc Ford. “Com certeza tem força,” ele admite. “Parece uma banda tocando ao vivo em uma sala,” que é exatamente como a maior parte do álbum foi gravado, aponta ele.
Durante praticamente todo o ano, Marc Ford se manteve na estrada para promover o novo álbum, juntamente com Elijah, Dutton e Dennis Morehouse que assumiu a bateria no lugar de Gray. Sob o nome de Marc Ford & Fuzz Machine, eles cruzaram os Estados Unidos e ainda fizeram algumas apresentações na Espanha, Itália, Alemanha, Rússia e em alguns festivais pela Europa. “Estou sóbrio já há algum tempo e tocando para caralho, totalmente focado, e mais forte que nunca.” Nesse ínterim, Ford ainda encontrou tempo para produzir e tocar no disco Mescalito (2007), do jovem cantor e compositor texano Ryan Bingham, um talento promissor da nova geração da música country. “Finalmente percebi que nem tenho de tocar guitarra se eu não quiser, pois, desta forma, isto não me prende mais, não sou mais escravo disso – é tão somente o que eu faço. Posso pegar esta energia que ponho na música e colocá-la onde eu quiser.”
Como se pôde notar, a carreira de Marc Ford é cheia de altos, baixos e projetos frustrados. Ele nunca chegou à condição de superstar, apesar de possuir potencial e talento para tanto. Redigindo esta biografia, senti que ele deve ser uma cara um tanto quanto impulsivo e impaciente, imaginando que isso, somado a tal dependência química, tenha sido um agravante em suas tentativas de alçar vôos mais altos. Ele comentou em seu site: “cheguei à conclusão, há pouco, que cada pedaço da minha identidade estava concentrado em ser um guitarrista, então minha identidade foi para cima e para baixo conforme os trabalhos que conseguia.” Isso reforça a minha teoria sobre a sua alma inquieta, além de abrir uma desconfiança de que ele é suscetível ao meio. Vejam o caso do Burning Tree, por exemplo: o disco não vendeu, mas teve aceitação da crítica, provavelmente foi mal promovido, acredito que se ele tivesse um pouco de paciência e insistisse, o grupo poderia deslanchar e, quem sabe, chegar a ser tão famoso quanto o Black Crowes. Eu não tive a oportunidade de ouvir o Burning Tree, mas Weary and Wired, gravado 17 anos depois com o mesmo time, é um disco muito bom, rock de primeiríssima qualidade, indicando que existia certa química na banda. Espero que Weary and Wired ajude Marc Ford a encontrar o caminho das pedras colocando-o em um lugar mais ao sol, porque embora ele já seja um nome respeitado dentro do planeta rock, merecia muito mais destaque do que recebeu até hoje.