"O inimigo mais perigoso que você poderá encontrar será sempre você mesmo." ( Friedrich Nietzsche )

quarta-feira, 12 de março de 2008

Balada do Cárcere de Reading

Ilustrei este poema com as extraordinárias imagens do meu magnífico H.R.Giger,
um dos maiores surrealistas ainda vivos em minha opinião...
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Ele despira a túnica vermelha;
Mas sangue púrpuro, encarnado,
Sangue e vinho das mãos lhe gotejavam,
Quando o viram, alucinado,
Junto do leito dela, - o seu amor,
Seu pobre amor apunhulado.
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Ia andando entre os mais, e era cinzento
O traje velho que vestia.
Usava um gorro às listas, e o seu passo
Ligeiro e alegre parecia.
Porém eu nunca vi homem que olhasse,
Tão anelante, a luz do dia.
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Jamais, jamais vi homem contemplar,
Com tão profundo sentimento,
Essa breve, essa estreita faixa azul
Que os presos chamam firmamento:
E as nuvens brancas, velas cor de prata,
Vogando no ar, flutuando ao vento!



Eu, com outras almas angustiadas, ia
andando em pátio separado,
a cismar qual o crime, grande ou leve,
por que o teriam condenado,
- quando alguém sussurrou atrás de mim:
“vão pendurar esse coitado!”


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Jesus! As próprias grades da prisão
Rodam, de súbito, em delírio!
Pesa o céu sobre mim, qual elmo de aço
Que o Sol inflama, - ardente círio!
E a minha alma, de mágoas trespassada,
Esquece, olvida o seu martírio.

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Eu soube, então, a idéia lacerante
Que o atormenta, e o faz correr,
E o faz olhar, tristonho, o céu radiante,
Radiante, e alheio ao seu sofrer:
Ele matou aquela que adorava,
- por causa disso vai morrer.



No entanto (ouvi!) cada um mata o que adora:
O seu amor, o seu ideal.
Alguns com uma palavra de lisonja,
Outros com um frio olhar brutal.
O covarde assassina dando um beijo,
O bravo mata com um punhal.



Uns matam o Amor velhos; outros, jovens;
(quando o amor finda, ou o amor começa);
Matam-no alguns com a mão do Ouro, e alguns
Com a mão da Carne, - a mão possessa!
E os mais bondosos, esses apunhalam,
- que a morte, assim, vem mais depressa.

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Uns vendem, outros compram; uns amam pouco,
Noutros, o Amor dura de mais;
Uns enterram-no aos ais, vertendo pranto,
Outros sem prantos e sem ais:
Todo homem mata o Amor; porém, nem sempre,
Nem sempre as sortes são iguais.
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Nem sempre ele padece morte infame,
Por um dia trágico e baço,
O capuz na cabeça, e na garganta
A corda fria, o hórrido laço;
Nem fica a balançar, do alto de um poste,
- soltos os pés e as mãos no espaço.

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Nem vai sentar-se entre homens silenciosos.
Que estão imóveis, de vigia,
Ou procure rezar, ou chore, triste,
Em amaríssima agonia:
A sua vida é presa da prisão,
- ah, não a roube ele algum dia!



Nem vê, ao despertar, sombras estranhas
Cruzando a sua úmida cela:
o Capelão, de branco e vacilante,
mais o Xerife, atroz, que o vela;
e o Diretor, de luto, como a Sorte,
- a face pálida, amarela.



Nem tem de erguer-se arrebatadamente,
Vestir as roupas da prisão,
Enquanto algum doutor, boçal, lhe espia
A mais ligeira contorsão,
- com o tique-taque hostil do seu relógio
A martelar-lhe o coração:



Nem vai sentir, fogosa, na garganta,
Uma secura imitigável,
Antes que o Algoz, soturno, abrindo a porta,
- hirto, enluvado, inexorável, -
O ate com três correias, pra que nunca
Sofra mais sede, o insaciável!



Nem tem de ouvir, curvado, o Ofício Fúnebre,
Ofício Fúnebre de morto;
Nem, pensando que ainda não morreu,
Contemplará, transido, absorto,
O seu próprio caixão, entrando, lento,
No seu antro de Desconforto.



Nem, por teto de vidro, enxergará,
Do dia, a luz tênue e fugaz;
Nem a Deus rogará, com lábios secos,
Breve agonia, - o Sono, a Paz;
Nem sentirá, na sua face trêmula,
O beijo torpe de Caifaz.

Oscar Wilde


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