"O inimigo mais perigoso que você poderá encontrar será sempre você mesmo." ( Friedrich Nietzsche )

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A caverna em Veneza

.

“os verões são mais longos onde os suicídios sucedem e as moscas comem tortas de lama. é de um famoso poeta de rua dos anos 50 e que ainda vive. atiro minha garrafa no canal, é Veneza, e Jack (Kerouac) está aqui hibernando em algum canto por uma semana ou mais, onde fará leituras dramáticas dentro em breve em algum lugar. o canal parece estranho, muito estranho.
“dificilmente fundo o suficiente para a autodestruição.”
“ééé”, diz ele com sua voz de cinema do Bronx, “você tem razão”.
ele está grisalho aos 37, nariz em forma de gancho, encurvado, enérgico. puto da cara. Macho. muito macho. um pequeno sorriso de judeu. talvez ele não seja judeu. não perguntei a ele.
conheceu eles todos. mijou no sapato de Barney Rosset numa festa porque não gostou de alguma coisa que Barney disse. Jack conhece Ginsberg, Creeley, Lamantia, e assim por diante, e agora ele conhece Bukowski.



“é, Bukowski veio até Veneza pra me ver. cheio de cicatrizes no rosto. ombros encurvados. parecendo um homem muito cansado. não fala muito e quando o faz é meio imbecil, só lugar comum. você jamais pensaria que ele escreveu todos aqueles livros de poemas, mas ele esteve muito tempo no correio. ele se
passou. eles comeram todo o seu espírito. uma vergonha, mas vocês sabem como é que a coisa funciona. mas ele ainda é galo, galo mesmo, vocês sabem.”
Jack conhece o lado de dentro, e é divertido mas verdadeiro saber que as pessoas não são muito, tudo não passa de um jazz a foder, e a gente já sabe que é esse o lema mas é legal ouvir isso ser dito sentado à beira do canal de Veneza tentando curar uma super-ressaca.
ele está folheando um livro, fotografias de poetas na maior parte. eu estou lá. comecei tarde e vivi tempo demais sozinho em pequenos quartos bebendo vinho. eles sempre imaginam que um ermitão é um demente, e é bem capaz deles estarem certos.



ele folheia o livro. mas jesus cristo, é um cu de gato sentado ali com aquela ressaca e a água lá embaixo, e aqui está Jack folheando o livro, vejo pontos de luz, narizes, orelhas, o esplendor das páginas fotográficas. não me importo, mas acho que nós precisamos conversar e eu não falo bem e ele está executando o serviço, portanto aqui vamos nós, canal de Veneza, a total e fodida infelicidade de sobreviver.
“esse cara pirou há uns dois anos atrás.”
“esse cara aqui queria que eu chupasse o pau dele para publicar meu livro.”
“você chupou?”
“eu? dei-lhe uma porrada na cara! com esse aqui!”
ele exibe o seu punho do Bronx.



eu rio. ele me deixa à vontade e é humano. todo homem tem medo de ser viado. fiquei um pouco cansado disso. talvez devêssemos todos nos tornar viados e relaxar. sem querer apertar Jack. ele ainda pode mudar. tem gente demais com medo de falar contra as bixas – intelectualmente. assim como existe gente demais com medo de falar contra a esquerda – intelectualmente. não tenho o menor interesse por onde vai a coisa – só sei que tem gente demais com medo.
mas Jack é boa gente. tenho visto intelectuais demais ultimamente. me canso fácil dos preciososo intelectos que precisam cuspir diamantes toda vez que abrem as suas bocas. eu me canso de ficar batalhando por cada espaço de ar para o espírito. é por isso que me afasto das pessoas por tanto tempo. e agora que estou encontrando as pessoas, descubro que preciso voltar pra minha caverna. existem outras coisas além da mente: há insetos e palmeiras e trituradores de pimenta, e eu vou ter um triturador de pimenta na minha caverna, portanto riam.
o povo sempre irá te trair.
Jamais confie no povo. “

Texto By Charles Bukowski, em “Notas de um velho safado”, pp. 38 a 41.
Imagens by H.R. Giger
..

Um comentário:

Anônimo disse...

Cadê vc vai me deixar órfão ?

S_E